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DEMÉTRIO MAGNOLI
Constituição do racismo
"Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza". O artigo 5º da Constituição
está prestes a ser derrubado pelo Estatuto da Igualdade Racial. Aprovado
sem discussão pelo Senado, o projeto
tramita na Câmara em regime de prioridade. Se entrar em vigor, representará uma mudança essencial nos fundamentos políticos e jurídicos que sustentam a nação brasileira. É, nem mais
nem menos, uma nova Constituição.
O estatuto cancela o princípio republicano de cidadania. Ele determina a
classificação racial compulsória de cada brasileiro por meio da identificação
obrigatória da "raça" em todos os documentos gerados nos sistemas de ensino, saúde, trabalho e previdência. Os
modelos são a África do Sul do apartheid e a Ruanda dos belgas, com suas
carteiras de identidade etno-raciais. A
nação deixará de ser um contrato entre indivíduos para se tornar uma confederação de "raças".
O estatuto cria a figura jurídica dos
afro-brasileiros, um estamento que
abrange, compulsoriamente, os autodeclarados "pretos" e "pardos". Por
essa via, implanta uma identidade coletiva oficial e torna inócuas as fluidas
identidades censitárias emanadas da
autodeclaração de cor da pele. O estamento construído por força de lei torna-se detentor de direitos coletivos específicos. Além disso, por meio da decretação de existência de doenças de
negros, produz-se uma identificação
entre a carga genética e o fenótipo dos
indivíduos, desafiando a ciência para
conferir caráter natural à raça inventada. A confederação de "raças" será bipolar, contrapondo a "nação afro-brasileira" definida na lei a uma implícita
"nação branca".
O estatuto suprime o conceito de
igualdade política e jurídica dos cidadãos. Ele generaliza o sistema de cotas
"raciais" em toda a esfera pública e
força a difusão das cotas na economia
privada por meio de expedientes como concorrências e compras governamentais dirigidas. Nos termos da
nova lei, o mercado de trabalho será
subordinado a reservas e monopólios
"raciais".
O estatuto introduz o conceito de
"reparação histórica", que passa a
nortear as relações entre a "nação
afro-brasileira" e a "nação branca". A
"reparação" entrou no direito internacional para substituir a pilhagem de
guerra. No lugar do saque "bárbaro",
a nação vencedora inscrevia nos tratados a obrigação da nação batida de pagar reparações. À luz do estatuto, a nova confederação de "raças" não é uma
nação, mas duas, separadas pelo evento histórico da escravidão. Eis a lógica
pela qual a "nação branca" deve reconhecer-se como herdeira dos proprietários de escravos e pagar reparações à
"nação afro-brasileira". É ela que justifica a discriminação negativa contra
os "brancos", mesmo que trabalhadores e pobres.
Finalmente, o estatuto estimula a
criação de uma infinidade de novos
cargos públicos reservados, por lei, a
dirigentes de ONGs "representativas
dos afro-brasileiros" e estabelece cotas
"raciais" para altos cargos da administração pública. Houve um tempo no
qual a ideologia era o alimento dos
ideólogos. Hoje, tornou-se veículo para a promoção dos seus interesses
profissionais e pecuniários.
Distraídos, os senadores revogaram
a Constituição. Seria demais solicitar
aos deputados que lessem o texto do
estatuto antes de mudar a natureza
política da República?
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br
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