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TENDÊNCIAS/DEBATES
Populismo e democracia
ALOIZIO MERCADANTE
Apesar da evolução política das democracias na América Latina, não se pode ocultar o fato de que elas ainda revelam fragilidades
NO DISCURSO de posse, o presidente Lula afirmou que seu
governo não é populista. É popular. Com essa afirmação, o presidente delineou uma fronteira político-ideológica importante para as democracias da América Latina.
Essas democracias evoluíram muito, como demonstra o encontro, antes
impossível de ser imaginado, entre a
presidente do Chile, Michelle Bachelet, filha de um general assassinado
pela ditadura Pinochet, e o presidente
Lula, ex-líder sindical perseguido por
outra ditadura.
Nos últimos tempos, houve eleições limpas em quase todos os países
do continente e a imprensa funciona
de maneira independente. Além disso, houve grandes avanços no fortalecimento dos direitos políticos e civis
da população. Embora em graus variados, há liberdade de associação, de
informação e de expressão. Pode-se,
enfim, respirar livremente. O falecimento de Pinochet parece ter colocado um ponto final simbólico no ciclo
das ditaduras latino-americanas.
Porém, essa evolução política não
pode ocultar o fato de que as democracias latino-americanas ainda revelam fragilidades. O relatório do Pnud
intitulado "A Democracia na América
Latina", de 2004, advertia que o continente tem persistente crise social
que afeta as suas democracias.
De fato, as desigualdades sociais
persistem, os níveis de pobreza permanecem elevados, não há geração de
emprego suficiente para reduzir a informalidade e o crescimento econômico tem sido baixo e irregular.
Esse quadro introduz limitações no
processo democrático, pois as democracias sólidas têm de assegurar aos
seus cidadãos não apenas direitos políticos e civis mas também direitos sociais e econômicos. Direitos políticos
são os pilares fundadores das democracias, mas são os direitos sociais e
econômicos que as consolidam .
Esse cenário assenta-se, em linhas
gerais, nas políticas macroeconômicas ortodoxas, que, embora tenham
tido sucesso na promoção da estabilidade monetária, se mostraram incapazes de promover crescimento econômico com distribuição de renda.
Porém, o efeito mais negativo dessas políticas foi gerar insatisfação no
que tange ao desempenho das democracias. De acordo com o Latinobarômetro, mais de 50% dos cidadãos da
América Latina responderam afirmativamente quando questionados se
estariam dispostos a sacrificar um governo democrático em favor de progresso socioeconômico, o que mostra
que a democracia ainda é pouco consolidada na região.
Essa insatisfação expressou-se, em
período recente, no surgimento de regimes populistas em algumas nações.
Tais regimes, apesar de legitimamente eleitos, têm introduzido elementos
nocivos à normalidade democrática,
como redução da independência entre os Poderes, restrições à liberdade
de imprensa e formas de legitimação
que prescindem dos mecanismos democráticos tradicionais.
Eles sinalizam que, na justificada
luta pelos direitos sociais e econômicos da população excluída, certos direitos e liberdades civis podem ser sacrificados. Ademais, ao adotarem políticas econômicas que não têm sustentabilidade, esses regimes correm o
risco de exacerbar a insatisfação que
lhes deu origem.
Assim, as democracias latino-americanas vêm sendo fragilizadas, de um
lado, por políticas demasiadamente
ortodoxas que não resultaram na expansão dos direitos sociais e econômicos da população, e, de outro, por
regimes populistas que, na tentativa
de assegurar direitos sociais aos excluídos, solapam, com o sacrifício de
princípios essenciais à cidadania e
políticas sem sustentabilidade, os
fundamentos da democracia.
O desafio das democracias latino-americanas é, pois, o de conciliar a
consolidação dos direitos políticos e
civis com a expansão dos direitos sociais e econômicos. Para tanto, é necessário, como afirmou o presidente
Lula, um crescimento econômico
sustentado com distribuição de renda
e um Estado que seja capaz de prover
serviços essenciais e investir nos setores estratégicos para o desenvolvimento, o que demanda política de
controle do gasto público.
Octávio Mangabeira dizia que a democracia é uma plantinha que precisa de grandes cuidados. Para que essa
planta cresça, teremos de enfrentar
esse desafio. No primeiro governo
Lula, demos um passo importante
nesse sentido, ao distribuir renda sem
o apelo populista à irresponsabilidade fiscal. Mas precisamos avançar
mais neste segundo governo, inclusive com o imprescindível corte de gastos desnecessários. A democracia vale
esse esforço.
ALOIZIO MERCADANTE, 52, economista e professor licenciado da PUC-SP e da Unicamp, é senador da República
pelo PT-SP.
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