São Paulo, terça-feira, 12 de janeiro de 2010

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MARCOS NOBRE

Crise em 3D

O MAIS SURPREENDENTE no filme tecnicamente mais avançado do ano é que quase tudo nele é obsoleto. Para resumir em uma frase, "Avatar" é um filme pré-Obama. Seu roteiro é da década de 1990. Suas duas únicas "atualizações" são as referências implícitas aos atentados de 11 de setembro de 2001 e à invasão do Iraque em 2003. Até o título é caduco. Avatar no sentido de uma representação no mundo virtual é uma ferramenta de meados dos anos 1990 que simplesmente não pegou.
Não que esse roteiro mofado esteja desconectado da nova tecnologia, pelo contrário. O lado do bem é colorido, orgânico, vivo e explora em toda a profundidade a nova técnica em três dimensões. O lado do mal vem em tons de cinza, é mecânico, frio e quase bidimensional. E não há deslumbramento técnico que salve esse primarismo do roteiro ao qual serve.
Uma interpretação benevolente diria que, com o 3D, o cinema finalmente resolveu ir ao encalço do que as artes visuais já fazem há muito tempo com instalações e performances. Pode ser, desde que se entenda por isso a maneira mais convencional possível, mesmo dentro dos limites de Hollywood.
Porque é assim que "Avatar" realiza a profecia de "Matrix", segundo a qual o naturalismo hollywoodiano deveria ser entendido a partir dali como hiper-realidade. E, como "Matrix", "Avatar" também vem acompanhado de um misticismo peculiar. Que também flertou com o próprio cinema lá nos seus primórdios, diga-se de passagem.
Parece mesmo que o diretor James Cameron acredita estar produzindo um renascimento da sétima arte.
Megalomania e velharias à parte, o que está em jogo a partir de agora é saber se o 3D vai ou não conseguir produzir uma nova percepção, se vai pegar. A ruindade do filme não traz bons presságios nesse sentido.
Mas, ao contrário de tentativas de inovação técnica anteriores, "Avatar" será seguido por uma avalanche de filmes 3D já finalizados ou quase.
A indústria cultural como um todo pode estar sendo redirecionada. E, pelo menos temporariamente, o 3D pode ser uma fonte de receita alternativa diante do compartilhamento gratuito de filmes pela internet e da venda de cópias não autorizadas. Oferece um produto convencional em vídeo e uma nova experiência sensorial capaz de voltar a turbinar as bilheterias de cinema.
Mas a ideia é fazer o formato chegar às casas. O problema é que "Avatar" não é apenas pré-Obama.
É também um projeto pré-crise econômica de 2008. E, sem o consumidor americano, é difícil imaginar como uma percepção nova vai conseguir se estabelecer na praça.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.

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