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MARCOS NOBRE
Crise em 3D
O MAIS SURPREENDENTE no
filme tecnicamente mais
avançado do ano é que quase tudo nele é obsoleto. Para resumir em uma frase, "Avatar" é um
filme pré-Obama. Seu roteiro é da
década de 1990. Suas duas únicas
"atualizações" são as referências
implícitas aos atentados de 11 de
setembro de 2001 e à invasão do
Iraque em 2003. Até o título é caduco. Avatar no sentido de uma representação no mundo virtual é
uma ferramenta de meados dos
anos 1990 que simplesmente não pegou.
Não que esse roteiro mofado esteja desconectado da nova tecnologia, pelo contrário. O lado do bem é
colorido, orgânico, vivo e explora
em toda a profundidade a nova técnica em três dimensões. O lado do
mal vem em tons de cinza, é mecânico, frio e quase bidimensional. E
não há deslumbramento técnico
que salve esse primarismo do roteiro ao qual serve.
Uma interpretação benevolente
diria que, com o 3D, o cinema finalmente resolveu ir ao encalço do
que as artes visuais já fazem há
muito tempo com instalações e
performances. Pode ser, desde que
se entenda por isso a maneira mais convencional possível, mesmo dentro dos limites de Hollywood.
Porque é assim que "Avatar" realiza a profecia de "Matrix", segundo a qual o naturalismo hollywoodiano deveria ser entendido a partir dali como hiper-realidade. E,
como "Matrix", "Avatar" também
vem acompanhado de um misticismo peculiar. Que também flertou
com o próprio cinema lá nos seus
primórdios, diga-se de passagem.
Parece mesmo que o diretor James Cameron acredita estar produzindo um renascimento da sétima arte.
Megalomania e velharias à parte,
o que está em jogo a partir de agora
é saber se o 3D vai ou não conseguir
produzir uma nova percepção, se
vai pegar. A ruindade do filme não
traz bons presságios nesse sentido.
Mas, ao contrário de tentativas de
inovação técnica anteriores,
"Avatar" será seguido por uma avalanche de filmes 3D já finalizados ou quase.
A indústria cultural como um todo pode estar sendo redirecionada.
E, pelo menos temporariamente, o
3D pode ser uma fonte de receita
alternativa diante do compartilhamento gratuito de filmes pela internet e da venda de cópias não autorizadas. Oferece um produto
convencional em vídeo e uma nova
experiência sensorial capaz de
voltar a turbinar as bilheterias de cinema.
Mas a ideia é fazer o formato
chegar às casas. O problema é que "Avatar" não é apenas pré-Obama.
É também um projeto pré-crise
econômica de 2008. E, sem o consumidor americano, é difícil imaginar como uma percepção nova vai
conseguir se estabelecer na praça.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
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