São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2001

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CARLOS HEITOR CONY

Ordem do dia

RIO DE JANEIRO - Estarrecido, li por alto o documento de apoio da base governista ao presidente da República em exercício. Uma frase destacou-se do embrulhado e óbvio contexto da turma do "sim". Li e reli, para ter a certeza de que não me enganava:
"Os partidos não apoiarão nenhuma das CPIs propostas -e são muitas e múltiplas-, por seu caráter inconsistente e notório propósito desestabilizador", diz o documento.
Por Júpiter! Onde eu tinha lido isso, não faz tanto tempo assim? Não sou fanático de arquivos, de maneira que não guardo recortes e documentos, mas por acaso, guardei de memória uma ordem do dia proclamada por um general, comandante de uma Região Militar, a propósito das investigações sobre a bomba que explodiu no Riocentro.
A frase, em seu conteúdo e forma, é a mesma: "Qualquer investigação sobre o lamentável acidente que vitimou um capitão e um sargento, que ali estavam em cumprimento de um dever, revela notório propósito desestabilizador do regime".
Esse argumento foi brandido durante 21 anos, sempre que explodia um escândalo ou um crime do regime autoritário. Questionar o governo militar era fazer o jogo impatriótico dos inimigos da pátria, dos subversivos que recebiam dinheiro de Havana e Moscou.
Hoje, a turma do puxa-saquismo oficial, amontoada na defesa de um governo pipocado de escândalos e atentados contra a justiça social, usa o mesmo vocabulário e adota o mesmo comportamento dos serviçais do autoritarismo.
Devo ter guardada em algum canto uma coleção de "ordens do dia" daquele tempo. Pensava que era o único a ter esse gosto depravado. Vejo agora que os aliados de FHC também guardaram esses documentos e, de tempos em tempos, apelam para eles a fim de manter seus cargos, interesses e privilégios.


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