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CARLOS HEITOR CONY
Ordem do dia
RIO DE JANEIRO - Estarrecido, li por alto o documento de apoio da base governista ao presidente da República
em exercício. Uma frase destacou-se
do embrulhado e óbvio contexto da
turma do "sim". Li e reli, para ter a
certeza de que não me enganava:
"Os partidos não apoiarão nenhuma das CPIs propostas -e são muitas
e múltiplas-, por seu caráter inconsistente e notório propósito desestabilizador", diz o documento.
Por Júpiter! Onde eu tinha lido isso,
não faz tanto tempo assim? Não sou
fanático de arquivos, de maneira que
não guardo recortes e documentos,
mas por acaso, guardei de memória
uma ordem do dia proclamada por
um general, comandante de uma Região Militar, a propósito das investigações sobre a bomba que explodiu no
Riocentro.
A frase, em seu conteúdo e forma, é a
mesma: "Qualquer investigação sobre
o lamentável acidente que vitimou
um capitão e um sargento, que ali estavam em cumprimento de um dever,
revela notório propósito desestabilizador do regime".
Esse argumento foi brandido durante 21 anos, sempre que explodia um escândalo ou um crime do regime autoritário. Questionar o governo militar
era fazer o jogo impatriótico dos inimigos da pátria, dos subversivos que
recebiam dinheiro de Havana e Moscou.
Hoje, a turma do puxa-saquismo
oficial, amontoada na defesa de um
governo pipocado de escândalos e
atentados contra a justiça social, usa o
mesmo vocabulário e adota o mesmo
comportamento dos serviçais do autoritarismo.
Devo ter guardada em algum canto
uma coleção de "ordens do dia" daquele tempo. Pensava que era o único
a ter esse gosto depravado. Vejo agora
que os aliados de FHC também guardaram esses documentos e, de tempos
em tempos, apelam para eles a fim de
manter seus cargos, interesses e privilégios.
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