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CLÓVIS ROSSI
O garçom e os números
LONDRES - A gente nunca esquece o
primeiro plantão à porta do número
10 de Downing Street, a residência e
local de trabalho dos primeiros-ministros britânicos. Afinal, é (ou deveria ser) do DNA de todo jornalista a
curiosidade insaciável para conhecer
os locais (e as pessoas) que fazem a
história do planeta.
Mas, depois de 30 anos só de plantões em Downing Street, quando você
começa a chamar pelo nome os garçons do boteco mais próximo (o
Churchill Café), a memória ajuda a
fazer comparações, que às vezes podem ser tristes.
Entre a visita do general Ernesto
Geisel (1976) e a mais recente, a de
Lula, dias atrás, melhoramos muito
do ponto de vista institucional. Era
uma ditadura, com censura à imprensa. Hoje, o país vive (desde o governo Sarney, é bom que se diga), o
período de mais amplas liberdades
públicas de toda a sua história.
A única ameaça à liberdade de imprensa foi o fato de Lula ter me presenteado, em plena entrevista coletiva em Downing Street, com um broche do Corinthians. Como palmeirense, preferiria a prisão.
Mudou também o garçom que serve o balcão à entrada do Churchill.
Agora é brasileiro, nordestino, a julgar pelo sotaque. No tempo de Geisel,
os brasileiros exilados eram perseguidos políticos, em geral da classe média. Tinham um nítido horizonte de
volta: assim que acabasse ou se
abrandasse a ditadura (abrandou-se
três anos depois, e deu-se o retorno).
Agora, os exilados são econômicos,
fogem da desesperança (que, é bom
de novo que se diga, começou bem
antes do governo Lula, mas continua
igual com ele). Não há horizonte para que ela se restabeleça para a enorme diáspora tupiniquim.
Apesar de, nas duas visitas e também na de FHC (1997), os números
sobre a economia apresentados aos
britânicos serem tão lustrosos que, tenho certeza, convenceriam o garçom
do Churchill a nem sair do país. Pena
que são para inglês ver, e não para
garçom brasileiro.
@ - crossi@uol.com.br
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