São Paulo, domingo, 12 de março de 2006

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CLÓVIS ROSSI

O garçom e os números

LONDRES - A gente nunca esquece o primeiro plantão à porta do número 10 de Downing Street, a residência e local de trabalho dos primeiros-ministros britânicos. Afinal, é (ou deveria ser) do DNA de todo jornalista a curiosidade insaciável para conhecer os locais (e as pessoas) que fazem a história do planeta.
Mas, depois de 30 anos só de plantões em Downing Street, quando você começa a chamar pelo nome os garçons do boteco mais próximo (o Churchill Café), a memória ajuda a fazer comparações, que às vezes podem ser tristes.
Entre a visita do general Ernesto Geisel (1976) e a mais recente, a de Lula, dias atrás, melhoramos muito do ponto de vista institucional. Era uma ditadura, com censura à imprensa. Hoje, o país vive (desde o governo Sarney, é bom que se diga), o período de mais amplas liberdades públicas de toda a sua história.
A única ameaça à liberdade de imprensa foi o fato de Lula ter me presenteado, em plena entrevista coletiva em Downing Street, com um broche do Corinthians. Como palmeirense, preferiria a prisão.
Mudou também o garçom que serve o balcão à entrada do Churchill. Agora é brasileiro, nordestino, a julgar pelo sotaque. No tempo de Geisel, os brasileiros exilados eram perseguidos políticos, em geral da classe média. Tinham um nítido horizonte de volta: assim que acabasse ou se abrandasse a ditadura (abrandou-se três anos depois, e deu-se o retorno).
Agora, os exilados são econômicos, fogem da desesperança (que, é bom de novo que se diga, começou bem antes do governo Lula, mas continua igual com ele). Não há horizonte para que ela se restabeleça para a enorme diáspora tupiniquim.
Apesar de, nas duas visitas e também na de FHC (1997), os números sobre a economia apresentados aos britânicos serem tão lustrosos que, tenho certeza, convenceriam o garçom do Churchill a nem sair do país. Pena que são para inglês ver, e não para garçom brasileiro.


@ - crossi@uol.com.br


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