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FERNANDO CANZIAN
O bagaço
da cana
SÃO IMENSAS as possibilidades que a decisão norte-americana e de outros países sobre o álcool combustível abrem ao
Brasil. Com maior potencial no
mundo para produzir o etanol e há
30 anos no ramo, o país tem condições de ganhar muito dinheiro e
empregos na área.
Como calculou o colega Mauro
Zafalon, especialista desta Folha
em quase tudo o que pasta ou cresce no campo, se todos os países do
mundo resolvessem adicionar 10%
de álcool à gasolina, o consumo de
etanol chegaria a 130 bilhões de litros por ano.
Brasil e EUA, responsáveis por
72% do álcool produzido no mundo (lá de milho, aqui de cana), juntos não chegam a 40 bilhões de litros por ano. Com três milhões de
hectares de cana para o álcool, o
Brasil tem ainda outros 22 milhões
totalmente adequados para o cultivo. Já os EUA estão no limite.
Na ponta do consumo, os norte-americanos vão adicionar 20% de
álcool à gasolina até 2017. O Brasil
já usa 23% (de cada quatro veículos "a gasolina", quase um é movido a álcool). A União Européia ratificou plano para adicionar 10% até
2020, e o Japão só não o faz formalmente porque não tem garantias de abastecimento.
Ao contrário do passado, quando
o Proálcool deixou motoristas de
tanques vazios, a decisão sobre os
biocombustíveis agora tem outras
razões além do preço e de dependência de petróleo. Tornou-se
questão política/ecológica.
Mesmo a polêmica sobretaxa
norte-americana sobre o álcool
(válida até 2009) perderá sentido
rapidamente se o produto virar
commodity internacional.
As possibilidades são imensas.
Assim como as chances de distorções e problemas que a busca indiscriminada por lucros e mercados pode causar.
Na semana passada, o "Jornal
Nacional" mostrou uma das várias
faces do problema: tratores invadindo áreas de mananciais no interior de São Paulo, na madrugada,
derrubando árvores centenárias e
entupindo nascentes de riachos.
Áreas planas, de preferência, para
o plantio da cana e colheita com
máquinas, sem homens, como vai
se tornando praxe nesse mercado.
Em São Paulo, que produz dois
terços do álcool/açúcar do país,
mais da metade da colheita ainda é
feita com queimadas. Isso sem falar nas condições de trabalho nos
canaviais.
Embora Lula diga que o Brasil
poderá fazer algo que "nunca na
humanidade" (estamos indo longe) foi feito, como "despoluir o
mundo", o que os números e ações
de seu governo revelam é que o enfoque principal era outro -o biodiesel. Os míseros R$ 4 milhões federais para pesquisas em álcool em
mais de dez anos dão uma boa noção de quão precários são os outros
controles nessa área.
FERNANDO CANZIAN é repórter especial da Folha.
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