São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Aproximar eleito e eleitor

GUILHERME AFIF DOMINGOS


O que deveria ser o centro de qualquer mudança, até porque mudaria o foco das demais questões, é a adoção do voto distrital


A POPULAÇÃO brasileira assiste indefesa a uma prática que, infelizmente, vai se tornando rotineira a cada início de legislatura: o "troca-troca" de partidos por um grande número de parlamentares, fraudando a vontade dos eleitores.
A prática, no geral, se dá com mudanças dos parlamentares para legendas que defendem posições ideológicas ou programáticas contrárias à dos partidos pelos quais foram eleitos, se faz em função de interesses fisiológicos e distorcem os resultados das eleições, permitindo a criação de maiorias não sancionadas pelos eleitores.
No atual sistema proporcional, o "distrito eleitoral" é o Estado, o que demanda um número muito grande de votos e obriga os candidatos a arrebanhar eleitores em um extenso território. Disso resultam campanhas extremamente dispendiosas, cujo sucesso, muitas vezes, depende mais do volume de recursos disponíveis do que da plataforma eleitoral ou da força partidária.
Cria-se, em decorrência, um enorme distanciamento entre o eleitor e o eleito. Diversas pesquisas mostram que, pouco tempo após o pleito, grande parcela dos eleitores já não se recorda em quem votou para deputado federal ou estadual.
De outro lado, graças aos "puxadores de votos", muitos candidatos pouco votados acabam eleitos pelas "sobras eleitorais", enquanto outros, com votação maior, acabam ficando de fora, criando distorções -agravadas pela migração de parlamentares para outras legendas depois do pleito.
As discussões sobre reforma política têm tratado, no geral, de temas muito relevantes, como fidelidade partidária, redução do número de partidos e financiamento de campanha. Têm relegado, no entanto, um ponto que deveria ser o centro de qualquer mudança, até porque mudaria o foco das demais questões. Esse ponto é a adoção do voto distrital.
Nesse sistema, o eleitor escolhe um candidato para representar o seu distrito, que terá tamanho bem menor. Com 28 milhões de eleitores e 70 cadeiras na Câmara dos Deputados, pode-se dividir o Estado de São Paulo em 70 distritos com 400 mil eleitores cada um. Isso permitirá ao eleitor decidir em quem votar com maior conhecimento de causa e, depois, acompanhar a trajetória e o desempenho do eleito. O próprio representante terá interesse em manter os eleitores informados sobre sua atuação para que possa, no próximo pleito, solicitar de novo os votos do distrito.
Alguns argumentam que o voto distrital" apresenta o risco de que se mandem ao Congresso ou às Assembléias Legislativas estaduais políticos apenas preocupados com os interesses locais, deixando de lado questões mais amplas, de interesse coletivo.
Não é o que mostra a experiência dos países que há tempos adotam esse sistema. Alguns, como a Alemanha, até adotam o voto distrital misto, no qual uma parcela dos parlamentares é eleita pelo voto majoritário no distrito, e outra, pelo voto proporcional.
Particularmente, sou favorável à adoção de um sistema misto. Entretanto, em uma primeira fase, que corresponderia à eleição das Câmaras Municipais, é mais adequado implantar o voto distrital majoritário. No futuro, quando os distritos estiverem consolidados, pode-se partir para o distrital misto, se a experiência assim o recomendar.
O núcleo da reforma política deve ser a mudança do sistema eleitoral, o que, por si só, eliminaria ou minimizaria muitos dos problemas que hoje enfrentamos.
A próxima eleição municipal, de 2008, poderia ser realizada pelo novo sistema, o que exigiria que a mudança fosse rapidamente aprovada, até para dar tempo para que sejam definidos os distritos, tarefa que será viabilizada pelos recursos da informática.
Soluções parciais não mais atendem às nossas necessidades. É preciso resistir à "tentativa de aprimorar o obsoleto", com dizia o imortal Roberto Campos. Precisamos ousar em relação às reformas de que o Brasil necessita -a reforma fiscal, previdenciária, trabalhista, sindical e, sobretudo, a reforma política.

GUILHERME AFIF DOMINGOS , 63, empresário, é secretário de Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo e presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo.


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