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Acelerando a transferência do conhecimento
VIRGILIO FERNANDES ALMEIDA
A ampliação do número de doutores nas corporações é um vetor capaz de acelerar a absorção e a incorporação rápida do avanço científico
O SANTA FE INSTITUTE (SFI) , localizado no alto das montanhas do Novo México, nos Estados Unidos, é um símbolo de pesquisa avançada, marcada pelos estudos sobre complexidade, pelo enfoque multidisciplinar e pela ousadia.
Ousadia essa que se manifesta nos temas ambiciosos das pesquisas em andamento e na convivência de diferentes culturas e múltiplas áreas do conhecimento científico.
Os grandes temas cobrem desde a
física dos sistemas complexos até estudos quantitativos sobre o comportamento humano e as instituições sociais, abordando grandes problemas
como mudanças climáticas, violência,
terrorismo e epidemias. No tradicional chá, servido diariamente às 15h,
debate problemas vários um seleto
grupo de professores e pesquisadores,
que inclui desde Murray Gell Mann,
Prêmio Nobel de Física, até o escritor
Cormac McCarthur, ganhador do
Prêmio Pulitzer e autor de vários livros, entre eles o romance que inspirou o filme "Onde os Fracos Não Têm
Vez", ganhador do Oscar de melhor
filme deste ano.
Não custa dizer que toda essa ousadia está solidamente lastreada em
pesquisas cujos resultados aparecem
freqüentemente nas mais prestigiosas revistas científicas, como a "Nature" e a "Science". O Santa Fe Institute
é uma instituição privada, totalmente
independente, financiada por agências do governo e recursos oriundos
do setor privado. O que, no entanto,
torna esse pequeno instituto uma jóia
no cenário científico internacional?
Não é apenas uma ambiciosa e arriscada agenda de pesquisa, mas também a forma como ele se relaciona
com a sociedade e as empresas.
Como pesquisador-visitante durante um período, fui convidado a fazer uma apresentação em um evento
organizado pelo instituto, com o objetivo de ampliar a rede de relacionamento do SFI com o mundo corporativo. Algo pouco usual para os tradicionais institutos de pesquisa. Uma
questão logo me ocorreu: como os resultados de pesquisas básicas, voltadas para avançar o conhecimento
fundamental em áreas distantes do
horizonte empresarial, iriam despertar a participação de executivos e estrategistas de grandes empresas?
No seminário, estavam representantes de algumas das maiores empresas globais de diferentes setores
da economia e vários pesquisadores,
que incluíam biólogos, matemáticos,
antropólogos, economistas, físicos e
cientistas da computação. O foco era,
no entanto, bem claro: apresentar resultados de pesquisas, na maior parte
das vezes resultados de pesquisas
multidisciplinares, mas apoiados em
sólidas teorias quantitativas.
A ponte entre a pesquisa e sua aplicabilidade para as empresas estava a
cargo dos participantes, e não dos
pesquisadores, que na maior parte
dos casos, desconhecem os problemas da realidade das empresas. A inversão da ordem dessa equação tradicional de transferência do conhecimento requer uma condição básica:
que os geradores do conhecimento e
os receptores tenham níveis compatíveis de formação e informação. O que
em termos práticos traduz-se na necessidade das empresas e indústrias
terem profissionais com doutorado
em seus quadros.
As pesquisas em si já tinham algo de
inovador, algo além da fronteira das
disciplinas, que desperta múltiplas
possibilidades de análise. Na apresentação de uma teoria formal e quantitativa sobre evolução cultural de diferentes grupos sociais em diferentes
países, os participantes das empresas
estabeleceram de imediato uma ligação entre o modelo proposto e sua
aplicabilidade aos problemas decorrentes dos processos de fusão de
grandes corporações.
Nessa experiência inovadora do
SFI, colocando juntos pesquisadores
e executivos, ciência básica e pragmatismo empresarial, vêem-se alternativas para a aceleração da inovação no
Brasil. A transferência do conhecimento científico e tecnológico é um
componente essencial para o país
avançar no desenvolvimento econômico. A ampliação do número de doutores na indústria e nas grandes corporações é um vetor capaz de acelerar
a absorção e a incorporação rápida do
avanço científico e tecnológico. A
aproximação efetiva do setor privado
e instituições de pesquisa científica e
tecnológica, por meio da proposição
de problemas estratégicos e do financiamento da pesquisa, abre caminhos
para acelerar o processo de inovação
tecnológica no Brasil.
VIRGILIO FERNANDES ALMEIDA é professor titular do
Departamento de Ciência da Computação da UFMG e
membro da Academia Brasileira de Ciências.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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