São Paulo, quarta-feira, 12 de março de 2008

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Acelerando a transferência do conhecimento

VIRGILIO FERNANDES ALMEIDA

A ampliação do número de doutores nas corporações é um vetor capaz de acelerar a absorção e a incorporação rápida do avanço científico

O SANTA FE INSTITUTE (SFI) , localizado no alto das montanhas do Novo México, nos Estados Unidos, é um símbolo de pesquisa avançada, marcada pelos estudos sobre complexidade, pelo enfoque multidisciplinar e pela ousadia.
Ousadia essa que se manifesta nos temas ambiciosos das pesquisas em andamento e na convivência de diferentes culturas e múltiplas áreas do conhecimento científico.
Os grandes temas cobrem desde a física dos sistemas complexos até estudos quantitativos sobre o comportamento humano e as instituições sociais, abordando grandes problemas como mudanças climáticas, violência, terrorismo e epidemias. No tradicional chá, servido diariamente às 15h, debate problemas vários um seleto grupo de professores e pesquisadores, que inclui desde Murray Gell Mann, Prêmio Nobel de Física, até o escritor Cormac McCarthur, ganhador do Prêmio Pulitzer e autor de vários livros, entre eles o romance que inspirou o filme "Onde os Fracos Não Têm Vez", ganhador do Oscar de melhor filme deste ano.
Não custa dizer que toda essa ousadia está solidamente lastreada em pesquisas cujos resultados aparecem freqüentemente nas mais prestigiosas revistas científicas, como a "Nature" e a "Science". O Santa Fe Institute é uma instituição privada, totalmente independente, financiada por agências do governo e recursos oriundos do setor privado. O que, no entanto, torna esse pequeno instituto uma jóia no cenário científico internacional?
Não é apenas uma ambiciosa e arriscada agenda de pesquisa, mas também a forma como ele se relaciona com a sociedade e as empresas. Como pesquisador-visitante durante um período, fui convidado a fazer uma apresentação em um evento organizado pelo instituto, com o objetivo de ampliar a rede de relacionamento do SFI com o mundo corporativo. Algo pouco usual para os tradicionais institutos de pesquisa. Uma questão logo me ocorreu: como os resultados de pesquisas básicas, voltadas para avançar o conhecimento fundamental em áreas distantes do horizonte empresarial, iriam despertar a participação de executivos e estrategistas de grandes empresas?
No seminário, estavam representantes de algumas das maiores empresas globais de diferentes setores da economia e vários pesquisadores, que incluíam biólogos, matemáticos, antropólogos, economistas, físicos e cientistas da computação. O foco era, no entanto, bem claro: apresentar resultados de pesquisas, na maior parte das vezes resultados de pesquisas multidisciplinares, mas apoiados em sólidas teorias quantitativas.
A ponte entre a pesquisa e sua aplicabilidade para as empresas estava a cargo dos participantes, e não dos pesquisadores, que na maior parte dos casos, desconhecem os problemas da realidade das empresas. A inversão da ordem dessa equação tradicional de transferência do conhecimento requer uma condição básica: que os geradores do conhecimento e os receptores tenham níveis compatíveis de formação e informação. O que em termos práticos traduz-se na necessidade das empresas e indústrias terem profissionais com doutorado em seus quadros.
As pesquisas em si já tinham algo de inovador, algo além da fronteira das disciplinas, que desperta múltiplas possibilidades de análise. Na apresentação de uma teoria formal e quantitativa sobre evolução cultural de diferentes grupos sociais em diferentes países, os participantes das empresas estabeleceram de imediato uma ligação entre o modelo proposto e sua aplicabilidade aos problemas decorrentes dos processos de fusão de grandes corporações.
Nessa experiência inovadora do SFI, colocando juntos pesquisadores e executivos, ciência básica e pragmatismo empresarial, vêem-se alternativas para a aceleração da inovação no Brasil. A transferência do conhecimento científico e tecnológico é um componente essencial para o país avançar no desenvolvimento econômico. A ampliação do número de doutores na indústria e nas grandes corporações é um vetor capaz de acelerar a absorção e a incorporação rápida do avanço científico e tecnológico. A aproximação efetiva do setor privado e instituições de pesquisa científica e tecnológica, por meio da proposição de problemas estratégicos e do financiamento da pesquisa, abre caminhos para acelerar o processo de inovação tecnológica no Brasil.


VIRGILIO FERNANDES ALMEIDA é professor titular do Departamento de Ciência da Computação da UFMG e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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