São Paulo, quinta-feira, 12 de março de 2009

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Editoriais

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Casa do espanto

Caso do pagamento de horas extras no Senado mostra uma instituição enclausurada em interesses corporativos

CORREDORES que não levam a lugar nenhum, salões vazios que se sucedem ao infinito, passagens secretas, labirintos e criptas, com seus permanentes ou eventuais fantasmas, tornam misteriosa a arquitetura de qualquer castelo, pouco importa se localizado no próspero interior de Minas Gerais ou nas altitudes sombrias da Transilvânia.
Não parece haver exemplo mais desnorteante de edificação do gênero, contudo, do que um complexo conjunto de concreto e vidro instalado na paisagem vasta e planejada de Brasília.
Não é preciso visitar pessoalmente o Congresso Nacional para ter, antes de tudo, a visão de seus salões desabitados. No plenário do Senado, no plenário da Câmara, decisões legislativas importantes contam-se nos dedos; nenhuma se registrou, aliás, desde o começo do ano.
A impressão de abandono em parte se desmente, todavia, quando se constata a febril atividade em torno dos assuntos internos à instituição.
Foi intensa a disputa, no início do ano, em torno das Mesas Diretoras. Seguiu-se a luta pela presidência das Comissões. Discute-se ainda a questão das verbas indenizatórias reservadas aos deputados e senadores.
Na Corregedoria da Câmara dos Deputados, estudam-se formas de punir o deputado Edmar Moreira (sem partido-MG), celebrizado pelo castelo que construiu em Minas. Em fevereiro o deputado havia sido eleito presidente do próprio órgão que, agora já sob nova chefia, cuida de investigá-lo.
À sensação de um círculo vicioso soma-se nestes últimos dias o caso fantasmagórico do pagamento de horas extras para 3.883 funcionários do Senado Federal, pelo trabalho suplementar que teriam tido no mês de janeiro.
Mas em janeiro não houve atividade parlamentar. O mistério cresce: não se conhece a quantia exata (R$ 6,2 milhões? R$ 8 milhões?) do que foi gasto com essa liberalidade.
Mais assombroso, não há responsáveis à vista pela decisão. Foi o senador Efraim Morais (DEM-PB) quem autorizou a despesa, três dias antes de deixar a primeira secretaria da Casa. Mas afirma que seguiu as solicitações dos chefes-de-gabinete de cada senador.
Eis que alguns dos próprios senadores se espantam, ao saber que servidores de seus gabinetes se beneficiaram da medida.
Responsável por tomar providências, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), a quem coube suceder seu correligionário Efraim Morais no posto de primeiro-secretário, declara que pediu um parecer sobre o caso ao advogado-geral do Senado. Aos jornalistas, mostrou-se inconformado com a denúncia: "Parem com isso. A coisa vai chegar aonde?"
Eis o único enigma de fácil resposta. Não chegará a nenhum lugar, exceto o que já se sabe: mais desgaste para o Legislativo, em meio a uma situação mais grave e profunda do que qualquer escândalo pontual: a incapacidade de deputados e senadores de exercer suas reais atribuições, propondo e votando matérias de relevo para o país.


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