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TENDÊNCIAS/DEBATES
Parlamento capturado
CLAUDIO WEBER ABRAMO
Inventaram de tornar oficial a cabulação em Brasília às segundas-feiras. O resultado é uma jornada de trabalho de terça a meados de quinta
O AUMENTO salarial pleiteado
pelos deputados federais é
exemplo de um fenômeno que
se agrava no Brasil: a captura de estruturas do Estado por interesses privados. No caso, trata-se da captura
das instituições políticas pelos interesses particulares dos políticos.
A conseqüência imediata da captura de uma estrutura de Estado é o desvirtuamento de suas funções. Ela deixa de servir ao interesse coletivo e
passa a atender às demandas do grupo que a capturou.
Os deputados querem fazer crer
que a discussão sobre seus estipêndios deveria ficar circunscrita aos salários. Argumentam que estes precisariam sofrer reajuste para repor perdas devidas à inflação.
Visto assim, parece razoável. O salário de chegada, de cerca de R$ 16
mil, seria decerto alto para os padrões
brasileiros, mas não excessivamente.
Muito pior é, por exemplo, a situação
dos ministros, que recebem uma miséria incompatível com suas funções.
Não seria descabido que um ministro
recebesse por volta de R$ 40 mil por
mês. Também o presidente da República precisaria ser remunerado condizentemente com suas responsabilidades -digamos, R$ 100 mil por mês.
Na verdade, R$ 100 mil mensais é o
que custa ao erário cada deputado federal antes do aumento que se discute. A estimativa, feita pelo site Contas
Abertas, agrega todas as despesas incorridas pelos deputados, como auxílio-transporte, auxílio-moradia, ressarcimento de despesas realizadas
nos Estados de origem, contratação
de "assessores" e assim por diante.
Para fazer uma idéia do que isso significa, vale a pena comparar com o
que acontece na Grã-Bretanha. Lá,
cada membro do Parlamento custa à
Coroa um total de 168 mil libras por
ano, ou pouco mais de R$ 700 mil. Isso inclui a totalidade das despesas diretas por parlamentar, dos auxílios
aos assessores.
A saber, um deputado federal brasileiro já custa ao contribuinte cerca de
80% a mais do que sua contrapartida
britânica. Observe-se que o custo de
vida britânico é muito maior do que o
brasileiro e que a renda per capita do
país é mais de 3,5 vezes superior à
brasileira. E isso sem mencionar a relação custo/benefício.
Por exemplo, por aqui inventaram
de tornar oficial a cabulação em Brasília às segundas-feiras -o que se junta à folga das sextas para resultar numa jornada de trabalho que vai da terça a meados da tarde de quinta.
A proposta de aumento salarial dos
deputados faria sentido se acompanhada da eliminação de despesas incorridas por eles. Caso eles estivessem dispostos a cortar algo por volta
de 70% do que gastam, então se poderia tomar o aumento salarial a sério.
Os nossos próceres poderiam abrir
mão de seus "assessores de gabinete"
-por volta de 15 por parlamentar e
pagos por nós. Tais indivíduos, apresentados como essenciais para o
cumprimento das funções dos deputados, na verdade não passam de cabos eleitorais. A maioria dos "assessores" nem sequer é lotada em Brasília,
permanecendo na "base".
Escapa à compreensão o motivo
pelo qual devem os contribuintes arcar com isso, ainda mais considerando que o suporte parlamentar propriamente dito é prestado pela assessoria permanente da Câmara, formada por profissionais concursados.
Também é candidata óbvia à extirpação a "verba indenizatória", que na
Câmara é de R$ 15 mil por mês. O dinheiro é usado para pagar despesas
do escritório (na prática, comitê eleitoral) do sujeito em seu Estado.
O "pacote" de benesses que a Câmara pretende estender aos seus integrantes inclui a desobrigação de
justificar cerca de um terço desse
montante. Não é difícil imaginar qual
será o destino desse dinheiro.
Além de uma liberalidade financeira descabida, os parlamentares brasileiros gozam de excesso de liberdade
na forma como conduzem seus mandatos. Por exemplo, a ausência de regras relativas a conflitos de interesse
permite que deputados ligados e/ou
financiados por determinados setores econômicos componham comissões permanentes e temporárias que
lidam com os exatos interesses daqueles setores.
Assim, donos de escolas privadas
pontificam na comissão de educação,
"agribusinessmen", na de agricultura,
os financiados por grandes empreiteiras integram comissões que tratam
de mudanças na lei de licitações e por
aí vai. A saber, muitos deputados
agem como agentes da captura de comissões por interesses privados.
Capturadas pelos interesses privados de seus integrantes, não é de espantar que levantamentos de opinião
feitos no Brasil sempre situem as instituições parlamentares entre as menos confiáveis.
CLAUDIO WEBER ABRAMO, mestre em lógica e filosofia
da ciência pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção no país.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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