São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mater dolorosa

MARIA JOSÉ O'NEILL


Muitas mães estarão sorrindo neste dia, mas não devemos nos esquecer daquelas que estarão chorando


Este mês é dedicado pela Igreja Católica a Maria, a mãe que Jesus concedeu a toda a humanidade. Num mundo em que quase toda a história parece voltar os olhos apenas para os homens, há de prestar muita atenção na relação entre Jesus e Maria -ela, sofrendo ao ver o Filho crucificado, e ele fraternalmente concedendo-nos uma mãe. Este momento -para alguns um sustentáculo da fé e da crença- não deve passar despercebido, mesmo para aqueles que professam outras crenças.
Nem todas as mulheres querem ou nasceram para ser mães, e nem por isso deixam de ser mulheres. Mas com certeza toda mulher trás dentro de si a visão mais ampla do mundo, a possibilidade de transformar sentimentos em atitudes capazes de fazer este mundo melhor. Por isso, talvez, a maternidade seja uma coisa feminina.
A mãe vive a maternidade como a maior alegria que uma mulher pode ter.
Olhando apenas com os olhos da razão e num mundo e tempo em que tudo tende ao "praticismo" e em que a cada dia estamos mais diante do que chamamos da lógica irracional, parece uma relação muito estranha. Mas é nas mães que a humanidade guarda os segredos da relação entre os humanos e, talvez um dia, quando não tivermos mais onde buscar respostas e soluções para a nossa continuidade enquanto grupo, será neste comportamento que encontraremos os caminhos.
Da resignação materna nascem os sacrifícios que muitas vezes fazem os homens -muitos dirão que isso é submissão.
É observando a mãe que notamos com mais nitidez o quanto a natureza é forte e como mesmo todas as mudanças e modismos não são capazes de fazer com que racionais e irracionais tenham comportamentos diferentes quando se trata da defesa da vida. A maternidade é uma dádiva, um milagre que a mulher recebe com alegria e amor.
Em meio a tudo isso, por que lembrar da "mater dolorosa"?
Ora, quando tudo parece festa -neste segundo domingo de maio-, não deveríamos fazer outra coisa que não fosse viver o momento mágico, esta relação forte entre a criatura e o seu criador mais próximo. Mas não podemos falar de mães sem falar daquelas que um dia perderam seus filhos, daquelas que, apesar de todo o cuidado, zelo e carinho, deixaram vazios um colo, um ombro, um abraço, uma espera.....
Não podemos esquecer das mães da Praça de Maio, da praça da Sé, de Acari; das mães que nos lembram mais ainda aquela Maria com os olhos voltados para a cruz e certamente perguntando com seu coração de mãe: por quê?
Muitas mães estarão sorrindo neste dia de maio, mas não devemos nos esquecer daquelas que estarão chorando. Neste momento talvez as mães que mais simbolizem o que desejo dizer sejam as mães palestinas e judias .
Bom também é que pensemos nas mães que vêem seus filhos partindo devido à fome, à falta de condições sanitárias -as mãe que às vezes penso que desejam guardar seus pequenos de volta em suas barrigas...
Lembremos de mães como a Glória Perez, que perdeu sua filha Daniela barbaramente assassinada e busca na justiça o lenitivo para suas dores. Lembremos da Lucinha Araujo, mãe de Cazuza, que após a morte do filho, passou a ser mãe de tanta gente.
Não vamos nos esquecer neste domingo do sofrimento de tantas mães que perderam seus filhos; mães que terão apenas lembranças. Pensem um pouco nisso, mas não façam como homens e mulheres comuns, pensem como mãe.


Maria José O'Neill, 45, jornalista, é presidente do Instituto Nacional de Prevenção às LER/Dort. É autora de "LER/Dort - O desafio de vencer".
E-mail: mjoneill@uol.com.br



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