São Paulo, quarta-feira, 12 de maio de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Na fronteira da barbárie

BRUXELAS - O senador democrata Joseph Liebermann qualificou de "unamerican" as torturas aos presos iraquianos durante o depoimento do general Antonio Taguba ao Congresso norte-americano.
É verdade, mas não é toda a verdade. As Forças Armadas e o governo norte-americano não são propriamente virgens na violação dos direitos humanos. Bastaria lembrar o Vietnã, que também forneceu fotografias (ainda mais brutais, aliás) como as que estão sendo divulgadas a respeito do Iraque.
Acrescente-se a terceirização da barbárie praticada, em diferentes regiões do planeta, por regimes que os Estados Unidos levaram ao poder ou, no mínimo, apoiaram com entusiasmo, fechando os olhos para as torturas, assassinatos e desaparições que os caracterizaram, como sucedia até recentemente na América Latina.
Mas o inquietante, na conjuntura, tanto quanto Abu Ghraib, a prisão iraquiana, é Guantánamo, a base norte-americana em Cuba a que foram levados os presos feitos no Afeganistão. No caso iraquiano, é sempre possível torcer para que as torturas tenham sido obra de um grupo de tarados ou, no máximo, tenham tido o apoio de alguns comandantes e responsáveis pelos serviços de inteligência, mas não façam parte de uma política de Estado.
Digo torcer porque a hipótese inversa é demasiado horrenda.
Mas, no caso de Guantánamo, é, sim, política de Estado. Política de Estado que nega aos prisioneiros o elementar direito de saber de que são acusados e, por extensão, de se defender. É medieval.
Pior: se as fotos das torturas no Iraque provocaram uma sadia reação da opinião pública e do corpo político norte-americano, no caso de Guantánamo mantém-se o silêncio, salvo uma ou outra menção tangencial (da senadora Hillary Clinton ou do jornal "The Washington Post", ambas na semana passada).
Nada disso, é claro, justifica o terrorismo, mas acaba dando-lhe pretextos para a sua própria cota de barbárie, naturalmente ainda maior.


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