São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 2005

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CÚPULA DAS ARÁBIAS

A Cúpula América do Sul-Países Árabes arquitetada e patrocinada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva transcorreu como previsto: foi uma bravata diplomática que nada acrescentou à política externa brasileira. Abriram-se, como esperado, poucas perspectivas para negócios e registrou-se caudalosa retórica geopolítica -do tipo, infelizmente, que pouco ajuda o relacionamento do país com as nações que mais importam.
Não parece exagero descrever a cúpula -à qual faltou boa parte dos dirigentes árabes- como um grande palco no qual o Brasil, proferindo as palavras que o público queria ouvir, fez mais um comício em favor de sua candidatura a uma vaga permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU. Fica a sensação de que, novamente, o obstinado desejo de conquistar esse status deformou posições que deveriam ser orientadas por políticas de Estado. Ainda que o objetivo do governo seja defensável, é um grave erro subordinar a ele a atuação externa do país, sacrificando princípios e relações tradicionais.
Nesse contexto, não é a abrupta partida do presidente Néstor Kirchner que causa surpresa, mas sim o fato de ele ter prestigiado um evento que serve principalmente para promover uma reivindicação brasileira à qual a Argentina se opõe.
É claro que o Brasil não deve atuar como uma sucursal dos interesses norte-americanos ou europeus. É louvável que o país busque uma posição de independência. Também é importante que tenhamos as melhores relações possíveis com o Oriente Médio. Soa, contudo, inverossímil pensar numa aliança estratégica entre a América do Sul e as nações árabes, quando não se vislumbram os grandes objetivos comuns a unir essas duas regiões do planeta.
A cúpula, ao fim, serviu a uma convergência de interesses circunstanciais. O Brasil patrocinou mais um "happening" em sua campanha, e os convidados ultramarinos ganharam um novo alto-falante para fazer o que sempre fizeram em suas reuniões da Liga Árabe: falar mal de Israel.
É aqui que as concessões brasileiras preocupam. O Brasil pode e deve defender um Estado palestino. Pode também reconhecer o direito de populações sob ocupação estrangeira pegarem em armas para reconquistar a soberania. O que não é aceitável é um documento final tão extenso e detalhista -que chega a reclamar da "inclusão das ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul no anexo II relativo ao Título IV da Parte III do Tratado Constitucional da União Européia"- não fazer referência explícita às vítimas civis israelenses de atentados terroristas e ao direito daquele país de se defender. Trata-se do mesmo tipo de partidarismo que tantas queixas árabes provoca quando se manifesta em favor de Israel.
Infelizmente, essa não é a primeira vez que o Brasil abre mão de posições justas e equilibradas para servir às suas pretensões na ONU. Recentemente, o país já concedeu aos chineses vantagens comerciais sem exigir contrapartidas e ajudou a bloquear, na Comissão de Direitos Humanos, resoluções contra a China e a Rússia. Também se absteve na votação para exigir que os responsáveis pelo genocídio de Darfur (Sudão) fossem julgados pelo Tribunal Penal Internacional. Além disso, azedou sua relação com a Argentina.
É defensável que o Brasil amplie o leque de parceiros e estreite relações com o maior número possível de países, mas é inadmissível que a atual agenda externa ponha a perder a política de Estado e a imagem que o país levou décadas para construir.


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