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CÚPULA DAS ARÁBIAS
A Cúpula América do Sul-Países Árabes arquitetada e patrocinada pelo governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva transcorreu
como previsto: foi uma bravata diplomática que nada acrescentou à
política externa brasileira. Abriram-se, como esperado, poucas perspectivas para negócios e registrou-se
caudalosa retórica geopolítica -do
tipo, infelizmente, que pouco ajuda o
relacionamento do país com as nações que mais importam.
Não parece exagero descrever a cúpula -à qual faltou boa parte dos dirigentes árabes- como um grande
palco no qual o Brasil, proferindo as
palavras que o público queria ouvir,
fez mais um comício em favor de sua
candidatura a uma vaga permanente
no Conselho de Segurança (CS) da
ONU. Fica a sensação de que, novamente, o obstinado desejo de conquistar esse status deformou posições que deveriam ser orientadas por
políticas de Estado. Ainda que o objetivo do governo seja defensável, é
um grave erro subordinar a ele a
atuação externa do país, sacrificando
princípios e relações tradicionais.
Nesse contexto, não é a abrupta
partida do presidente Néstor Kirchner que causa surpresa, mas sim o
fato de ele ter prestigiado um evento
que serve principalmente para promover uma reivindicação brasileira à
qual a Argentina se opõe.
É claro que o Brasil não deve atuar
como uma sucursal dos interesses
norte-americanos ou europeus. É
louvável que o país busque uma posição de independência. Também é
importante que tenhamos as melhores relações possíveis com o Oriente
Médio. Soa, contudo, inverossímil
pensar numa aliança estratégica entre a América do Sul e as nações árabes, quando não se vislumbram os
grandes objetivos comuns a unir essas duas regiões do planeta.
A cúpula, ao fim, serviu a uma convergência de interesses circunstanciais. O Brasil patrocinou mais um
"happening" em sua campanha, e os
convidados ultramarinos ganharam
um novo alto-falante para fazer o que
sempre fizeram em suas reuniões da
Liga Árabe: falar mal de Israel.
É aqui que as concessões brasileiras preocupam. O Brasil pode e deve
defender um Estado palestino. Pode
também reconhecer o direito de populações sob ocupação estrangeira
pegarem em armas para reconquistar a soberania. O que não é aceitável
é um documento final tão extenso e
detalhista -que chega a reclamar da
"inclusão das ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul no anexo II relativo ao Título IV da Parte III
do Tratado Constitucional da União
Européia"- não fazer referência explícita às vítimas civis israelenses de
atentados terroristas e ao direito daquele país de se defender. Trata-se do
mesmo tipo de partidarismo que
tantas queixas árabes provoca quando se manifesta em favor de Israel.
Infelizmente, essa não é a primeira
vez que o Brasil abre mão de posições justas e equilibradas para servir
às suas pretensões na ONU. Recentemente, o país já concedeu aos chineses vantagens comerciais sem exigir contrapartidas e ajudou a bloquear, na Comissão de Direitos Humanos, resoluções contra a China e a
Rússia. Também se absteve na votação para exigir que os responsáveis
pelo genocídio de Darfur (Sudão)
fossem julgados pelo Tribunal Penal
Internacional. Além disso, azedou
sua relação com a Argentina.
É defensável que o Brasil amplie o
leque de parceiros e estreite relações
com o maior número possível de países, mas é inadmissível que a atual
agenda externa ponha a perder a política de Estado e a imagem que o
país levou décadas para construir.
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