São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os equívocos de sempre

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

No artigo denominado "Sob o império do crime", publicado nesta Folha (Dinheiro, 1º/5), Luis Nassif tece considerações gerais sobre o poder financeiro do crime organizado e faz algumas afirmações específicas acerca da postura das autoridades brasileiras. Embora concorde com as generalidades, noto que o colunista errou em várias ponderações que dizem respeito ao Banco Central. Acredito ser importante esclarecer a realidade acerca das afirmações transcritas abaixo. Afirma Luis Nassif que:
1. "No Brasil, em 1996 já se tinham claros os esquemas criminosos que resultaram na CPI do Banestado. Nada se fez".


Para os que conhecem as normas cambiais brasileiras, "permissividade" não é uma descrição acurada


Para os que não se recordam do tema, o BC havia permitido que reais em espécie provenientes do Paraguai fossem depositados em contas tituladas por bancos paraguaios mantidas em bancos brasileiros, desde que houvesse atestado por parte da Receita Federal de que a moeda proviesse daqueles bancos. O BC, porém, descobriu evidências de que essa regra não estava sendo obedecida e iniciou investigações ainda em 1996.
Como se sabe, em uma transação realizada por meio de moeda em espécie torna-se praticamente impossível traçar a origem dos recursos, motivo pelo qual alguns se aproveitaram das autorizações especiais. No entanto, a despeito das dificuldades de rastreio, o Banco Central entregou em abril de 1997 um relatório bastante extenso ao Ministério Público, inclusive indicando as contas bancárias que haviam enviado grandes quantias para Foz. Não procede, portanto, a afirmação de que nada foi feito, pelo menos não no que se refere ao BC, que proveu o Ministério Público de condições para tomar providências com relação às irregularidades.
2. "A circular 3.187, de 16 de abril de 2003, autorizou os bancos a manter contas de não-residentes e a proceder a créditos via TED, podendo ser em nome do pagador ou de outra instituição financeira em nome próprio, inviabilizando a fiscalização, o controle e a prevenção de evasão de divisas".
Em primeiro lugar, é bom esclarecer que a circular 3.187 não autorizou bancos a manter contas de não-residentes (isso foi feito pelo decreto 42.820/57). Além disso, a noção de que o uso da TED inviabiliza a fiscalização, o controle e a prevenção à evasão de divisas não encontra abrigo nos fatos. Esse argumento, a rigor, não é novo e eu mesmo já tive oportunidade de o refutar em artigos anteriores. Vale o que foi dito à época: a TED é hoje o principal mecanismo de transferência bancária no Brasil e permite, sim, a identificação do remetente. Mesmo se a remessa fosse feita por instituição financeira em seu nome, por conta de terceiros, ainda assim -caso os valores superassem R$ 10 mil- o banco remetente teria que identificar o cliente por trás da transação.
3. "Em março de 2005, a resolução 3.265 do Conselho Monetário Nacional (...) acabou com a cobrança de CPMF sobre operações de Bolsa e remessas de lucros".
A mera inspeção da resolução 3.265 mostra que esta não acabou com a cobrança da CPMF sobre nenhuma transação. Aliás, não há menção à CPMF nessa resolução, de modo que a afirmação do colunista a esse respeito carece de qualquer respaldo na realidade.
4. "É importante que se esclareça mais uma vez: essas liberalidades do BC com as remessas cambiais não encontram respaldo em nenhum movimento semelhante dos países em que ele se espelha. Já superou o limite da desburocratização para entrar no campo da permissividade".
Na verdade, para os que conhecem as normas cambiais brasileiras, "permissividade" não se encaixa como uma descrição acurada. A começar, porque as leis que regem movimentos de capital e transações cambiais no país impõem limites estritos que as normas do BC não ultrapassam, entre elas o requerimento de contratação de câmbio para todas as transações. Como qualquer contrato exige identificação das partes, e visto que os dados do contrato são registrados no Sisbacen, os controles acerca da identificação dos agentes e da natureza da transação, entre outros, permitem ao BC uma monitoração bastante detalhada das transações. Fato, aliás, sabido por qualquer um que tenha tido acesso aos dados providos pelo Banco Central a todas as CPIs.
Adicionalmente, enquanto no marco normativo anterior as vendas de moeda estrangeira em espécie feitas a uma instituição, autorizadas até US$ 10 mil, dispensavam a identificação do vendedor, a resolução 3.265 passou a requerê-la em todas as transações cambiais. Apenas as transações em espécie em moeda nacional entre um residente e um não-residente, de até R$ 10 mil, dispensam essa identificação. Mais: mesmo após a desburocratização promovida pela resolução 3.265, a legislação cambial e de capitais brasileira ainda é muito mais restritiva que a de países de grau de desenvolvimento semelhante (México e Chile são dois exemplos claros), como pode atestar qualquer exportador brasileiro ou mesmo qualquer companhia estrangeira instalada no país.
Resumindo, ao tratar de generalidades, o colunista soube indicar com exatidão os problemas relacionados ao poder financeiro do crime organizado. No que se refere ao Brasil, porém, apenas repetiu os equívocos de sempre.

Alexandre Schwartsman, 42, economista, é diretor do Banco Central do Brasil.


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