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MARCOS NOBRE
Tempos interessantes
FAZ ALGUM tempo que não se
ouve falar da frase infeliz de
Lula sobre a crise no Brasil ser
"marolinha". Talvez por ter o governo se saído muito bem na emergência. Foi rápido, eficiente e focado. Pareceria mesquinhez continuar a criticar Lula por esse erro.
Não que a competência do governo Lula em reagir à crise deva ter
efeitos eleitorais relevantes. É tarefa das mais difíceis convencer alguém de que se evitou o pior quando não se sabe o que ele seria, já que
o pior não aconteceu. Mas serviu
pelo menos para zerar o jogo eleitoral de 2010: o país não quebrou.
Como não quebrou em 2003.
Claro que são situações muito diferentes. Não se pode igualar uma
crise essencialmente interna a
uma ameaça de depressão econômica em nível mundial. Mas a comparação pode ser muito instrutiva
sobre o que mudou no país nesse
período.
A resposta à crise em 2003 foi
mais ortodoxa do que os manuais
de economia mais ortodoxos. A
resposta de 2008 rompeu pela primeira vez com o terrorismo econômico que se instalou desde a estabilização econômica da era FHC:
pode-se baixar substancialmente
a taxa de juros sem que o mundo
acabe.
E é só pelos cantos que alguém se
arrisca hoje a dizer que as políticas
agressivas de dispêndio público do
governo para sustentar crédito,
emprego, renda e atividade econômica são equivocadas. Falar isso
um ano atrás seria um crime de
lesa-mercado.
Outras lendas ainda mais antigas
e duradouras foram desfeitas.
Quem falasse em fortalecimento
do mercado interno era considerado um sobrevivente dos anos 1960,
um dinossauro econômico. Só que
a demanda interna foi até agora fator decisivo para impedir um retrocesso maior do crescimento.
Mais que isso: as políticas de aumentos reais do salário mínimo, de
benefícios especiais da Previdência
e os programas de transferência de
renda tiveram papel relevante no
menor declínio da atividade econômica. Ficou transparente o caráter
ideológico da defesa de que crescimento econômico só se dá em oposição a distribuição de renda, uma
tese de longa duração no Brasil.
Apesar de toda a lama da política,
algo mudou. Se não houver uma reviravolta ideológica nos próximos
tempos, um velho pacto de dominação vai balançar.
A elite econômica e política aceitou tanto a ditadura como a democracia desde que o Estado sustentasse a injustiça distributiva a seu
favor. Não apenas com injustiça
fiscal, mas, principalmente, com
inflação, ou, depois de 1994, com
altas taxas de juros. Vão ter de inventar outra. Serão tempos interessantes. Há algo de bom na crise,
afinal.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
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