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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Sem medo de ser feliz

Durante a campanha presidencial do ano passado, estabeleceu-se um consenso entre as candidaturas competitivas. Todas propunham mais ou menos a mesma coisa, ou seja, mudar o modelo de política econômica em vigor para, sem rupturas nem traumas, alavancar a retomada do crescimento. Desemprego e violência exponenciais resultaram dos anos em que o país cresceu muito pouco.
Um mesmo roteiro era repetido em coro: desonerar as exportações para, em consequência, exportar mais e gerar excedentes que reduziriam a necessidade atroz de atrair dinheiro especulativo de fora. Somente assim, dizia-se, seria possível baixar as taxas de juros, mantidas em valor tão abusivo para assegurar o ingresso daquele dinheiro arredio e necessário. Reduzir a vulnerabilidade externa era o jargão.
Simplificações ainda mais brutais do que as do resumo acima eram praticadas na propaganda dos candidatos. De acordo com a lógica das campanhas eleitorais do nosso tempo, apresentava-se um discurso com aparência "técnica" para embalar a eterna promessa de toda eleição: a felicidade sobre a terra. Ninguém dizia que o modelo vigente não seria mudado, nem mesmo que a mudança tardaria.
Quase seis meses depois da posse, o governo do PT se defende das acusações de estelionato eleitoral lembrando que, na "Carta ao Povo Brasileiro", divulgada em junho do ano passado, o então candidato Lula se comprometia a respeitar contratos e a zelar pelo equilíbrio macroeconômico, afastando de vez a suspeita de que uma vitória sua pudesse redundar em revolução ou até mesmo em mera hostilidade ao mercado financeiro.
Esse argumento de defesa não passa de vigarice. Pois ninguém está criticando o governo petista por não violar leis, por não insuflar ataques à propriedade (embora sua letargia quanto às invasões rurais as esteja obviamente estimulando), por pisotear obrigações (exceto, talvez, para com os funcionários públicos...) ou por haver traído o programa socialista, que já havia sido abandonado muito antes.
Quando se fala em estelionato eleitoral, não se pensa na promessa de mudar radicalmente o modelo implantado por Fernando Henrique Cardoso, porque essa promessa não foi feita. O que Lula prometeu (e com ele os demais candidatos) é que havia, sim, uma alternativa capaz de derrubar os juros e recolocar o país no rumo do crescimento -e que essa opção seria adotada com vigor e presteza.
Já seria decepcionante que, depois de suscitar tanta histeria de otimismo popular insuflada pela mídia que apóia todo governo, a gestão Lula se mostrasse lenta e hesitante. O que não estava previsto, porém, o que escandaliza e revolta os crédulos agora despertos, é que em vez de mudar tratasse de aderir. Mais: que acentuasse até, com o fervor dos recém-convertidos, a perversidade da política anterior.
A área econômica do governo adotou o ponto de vista dos bancos. As demais áreas estão paralisadas por um misto de inépcia e cortes. Deslumbrado pelas comodidades do poder, sem condições intelectuais de se contrapor a assessores mentalmente colonizados pelos adversários, o presidente parece viver no mundo da lua, embriagado pela própria esperteza. Trocou as "bravatas" da oposição pela desfaçatez do poder. E parece feliz.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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