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São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Partidão vive

CESAR MAIA

A proveitando a espera no Aeroporto Internacional de São Paulo, ironizei sobre a política econômica do governo com um deputado do PT. A resposta dele trouxe-me à memória os velhos tempos do Partidão. Especialmente a luta interna, entre 1965 e 1967, que culminou com um amplo racha, separando "revolucionários" e "reformistas". A argumentação articulada dele era exatamente a mesma que meus ouvidos, já desacostumados, não ouviam havia tanto tempo.
"Será que você já se esqueceu da diferença entre tática e estratégia?", provocou ele. Numa mesma e nostálgica argumentação, tirou do baú (aliás, bem conservado) a mesma semântica que acompanhou aqueles anos. "Ora, não é evidente que a correlação de forças não nos favorece neste momento?"
Concordei rapidamente com a cabeça, ansioso por ouvir mais.
"É" -continuou- "com essa correlação de forças que temos de criar as condições objetivas que permitam um salto de qualidade. As medidas que estão sendo adotadas por nosso governo são de caráter tático e abrem caminho para a acumulação de forças com vistas à reversão da correlação atual." E, com o dedo quase em riste, arrematou: "Estamos no governo, mas não estamos no poder".
Insisti, com jeito mais de repórter do que de político: "E que etapa tática é a que estamos atravessando agora, com essas medidas?".
A resposta veio de bate-pronto, com a intensidade de quem não tem nenhuma dúvida a respeito: "Evidente que esta etapa é a nacional-democrática, em que realizamos uma aliança tática com a burguesia nacional, de forma a melhor enfrentar o imperialismo, o capital financeiro e o latifúndio".
"E depois?", eu quis saber.


Voltaram à minha memória os mesmos fatos, o mesmo raciocínio dos muitos e gloriosos 40 anos passados


"Depende da velocidade em que se dará essa acumulação de forças e do grau de consciência com que o proletariado, os intelectuais e a classe média entenderão esse processo", respondeu.
"E os deputados que estão contra isso tudo?", insisti. Mais uma vez, respondeu prontamente:
"É uma pequena burguesia radicalizada que, sem consciência, faz o jogo da reação."
"Então" -devolvi, provocando- "as medidas adotadas em relação a eles fazem valer o centralismo democrático?"
"Exatamente, o centralismo democrático" -rebateu.
"E se esse processo avançasse com uma grande velocidade, para onde iríamos?", perguntei. Ele não pestanejou:
"Aprendemos muito com o socialismo real e, agora, não cairemos nos erros dirigistas de um Estado centralizador." E, agregando novas formulações, afirmou: "Vamos para uma sociedade participativa, distribuidora e desenvolvimentista, que garanta a hegemonia do trabalho estimulando o capital produtivo, impondo disciplina ao capital especulativo nacional e estrangeiro".
Minha vontade era continuar conversando, mas, finalmente, ouvimos a última chamada para o avião que faria a conexão entre o vôo internacional de que eu vinha e o Rio de Janeiro.
No período entre o taxiamento do avião em Guarulhos e a entrada no "finger" do Galeão, voltaram à minha memória, cada vez mais nítidos, os mesmos fatos, o mesmo raciocínio, a mesma teoria, a mesma argumentação e a mesma linguagem dos muitos e gloriosos 40 anos passados.
Bem -pensei-, o que a imprensa chama de radicais do PT são os revolucionários de ontem, ou a pequena burguesia radicalizada, a dissidência sobre a qual cabe ao comitê central baixar o centralismo democrático e a exclusão. Então, estes meses, este ciclo inaugural do governo, impõem medidas táticas proporcionais à correlação de forças e fazem parte daquela etapa nacional-democrática. Depois, virá uma etapa -lembrei-me do "sino-jargão" da época- popular e democrática.
O avião descia e eu não conseguia concluir se o que meu interlocutor disse era representativo do governo ou não. Então me lembrei do ministro flagrado pela TV, da concordância induzida de tantos parlamentares do PT e de um comentário recente feito por um dos gestores do Fome Zero sobre estar no governo e no poder.
Passei pelo túnel de saída do avião como se fosse o do tempo e disse para um secretário que me esperava: "Puxa, tomara que a correlação de forças atual não mude por muito tempo".
"O quê?", respondeu ele, sem entender.
Falei um pouco mais alto:
"O Partidão vive!"
"O quê?", repetiu.
"Deixa pra lá... vamos às malas."

Cesar Epitácio Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 1996.


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