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JOSÉ SARNEY
O mistério do AF 447
HÁ QUASE DUAS semanas a
queda do Airbus da Air
France resiste à concorrência dos noticiários, que vão da casa
de Berlusconi na Sardenha à vitória dos conservadores nas eleições
do Parlamento Europeu, ao pronunciamento histórico de Obama
no Cairo, onde estendeu a mão ao
reconhecimento da contribuição
islâmica à história da humanidade
e a suas palavras em Buchenwald,
recordando o que jamais deve ser
esquecido: o Holocausto, em que
milhões de judeus morreram nos
campos de concentração.
Todos os que tivemos a graça da
vida vivemos nosso destino e vicissitudes. Mas, quando na tragédia
muitos destinos se cruzam irmanados na morte inesperada, desperta
em cada um de nós a solidariedade
na dor, a meditação sobre o perigo
de viver, como dizia Guimarães Rosa. Unem-se e se cruzam as histórias, como a desse maestro cheio de
vida e talento e a do desconhecido
comissário que ia para um encontro com a namorada na Place des
Vosges que jamais vai ocorrer.
Some-se a tudo isso a perplexidade que desfila em nossa imaginação de uma noite de tempestade,
raios, sensores eletrônicos como
bruxos e mágicos a governarem
máquinas, fazer cálculos e o mar,
que sempre foi e será um mistério
maior, desde os tempos em que era
chamado de mar tenebroso, aquele
que ficava além das costas da África, com monstros e abismos, o mais
célebre para nós o Adamastor, o gigante de Camões.
Pois foi nesse mar que esses destinos mergulharam. Agora acompanhamos cotidianamente esse
trabalho excepcional da Força Aérea Brasileira e da Marinha do Brasil, que dia e noite buscam as relíquias dos corpos e pedaços de alumínio, papelão, sacolas, poltronas,
fios e tecidos. O que ocorreu naqueles quatro minutos em que as
mensagens dispararam como pedidos de socorro, sem receberem de
volta nenhuma luz que pudesse
guiar as mãos que procuravam
controlar aquele orgulho da tecnologia da aviação que despencava
para os abismos das águas?
Estou com um chofer em São
Paulo e seu assunto não é a política
nem o futebol, é a tragédia com o
avião A330. E me explica que vamos achar a caixa-preta que dirá
tudo: "O presidente Lula é quem
tem razão, se achamos petróleo e
sal a 6.000 metros de profundidade, vamos achar a mala preta do
avião a 2.000".
Fico pensando como o Lula conhece o imaginário popular. Mas
eu permaneço preso à tragédia das
pessoas, às lágrimas dos que perderam a esperança e nestes pobres
andrajos de carne carregados em
helicópteros e levados para os necrotérios. Razão tinha santo Agostinho diante de um corpo morto
-dizia que ali estava a presença de
Deus, restando uma só pergunta:
"Onde está sua alma?".
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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