São Paulo, Sábado, 12 de Junho de 1999
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Viva a dissonância cognitiva

FERNANDO RODRIGUES

Brasília - O presidente Fernando Henrique Cardoso constata haver uma dissonância cognitiva no país, mas ele próprio é o principal responsável por essa incapacidade da população para interpretar o que se passa dentro do governo.
Tomemos o caso da nomeação do novo diretor da Polícia Federal. O PMDB e o ministro da Justiça, Renan Calheiros, anunciaram aos quatro cantos que tinham um nome "técnico" para o cargo.
FHC não deu pelota para o PMDB, para Renan Calheiros e para o nome "técnico". Nomeou outra pessoa. E fez mais. Na quarta-feira à noite, reuniu 14 ministros para decretar:
"Não tem ministro de partido. Todos são ministros do governo. Temos que ter unidade absoluta no ministério. É como moeda: é cara ou coroa. Moeda não fica de pé."
Com o risco de ser reprovado em matéria de exegese pelo professor Cardoso, permito-me inferir que tal afirmação objetivava enquadrar os ministros e os partidos que viviam se esfaqueando em público, colocando em dúvida a autoridade do presidente.
Com o recado dado, Renan Calheiros e o PMDB teriam de se calar. Mas ocorreu o inverso.
Na quinta-feira de manhã, cerca de 12 horas depois de FHC reclamar da dissonância cognitiva e decretar que "moeda não fica de pé", Calheiros ofereceu sua avaliação azeda sobre o episódio na PF:
"O presidente procurou uma saída honrosa para todos. Ele tentou, mas não sei se conseguiu."
Ora, se Renan Calheiros estava insatisfeito publicamente por causa de uma ação administrativa do presidente, era o caso de repreender ou demitir o ministro -e não de adulá-lo.
Mas, no mesmo dia do resmungo de Calheiros, veio a lisonja. Na quinta-feira à noite (24 horas depois de os ministros saberem que "moeda não fica de pé"), o porta-voz do Planalto disse o seguinte: "O presidente tem confiança cabal no ministro".
A declaração foi encomendada pelo PMDB. O presidente atendeu prontamente a exigência. E viva a dissonância cognitiva do professor Cardoso.


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