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Viva a dissonância cognitiva
FERNANDO RODRIGUES
Brasília - O presidente Fernando
Henrique Cardoso constata haver
uma dissonância cognitiva no país,
mas ele próprio é o principal responsável por essa incapacidade da população para interpretar o que se passa
dentro do governo.
Tomemos o caso da nomeação do
novo diretor da Polícia Federal. O
PMDB e o ministro da Justiça, Renan
Calheiros, anunciaram aos quatro
cantos que tinham um nome "técnico"
para o cargo.
FHC não deu pelota para o PMDB,
para Renan Calheiros e para o nome
"técnico". Nomeou outra pessoa. E fez
mais. Na quarta-feira à noite, reuniu
14 ministros para decretar:
"Não tem ministro de partido. Todos
são ministros do governo. Temos que
ter unidade absoluta no ministério. É
como moeda: é cara ou coroa. Moeda
não fica de pé."
Com o risco de ser reprovado em matéria de exegese pelo professor Cardoso, permito-me inferir que tal afirmação objetivava enquadrar os ministros
e os partidos que viviam se esfaqueando em público, colocando em dúvida a
autoridade do presidente.
Com o recado dado, Renan Calheiros e o PMDB teriam de se calar. Mas
ocorreu o inverso.
Na quinta-feira de manhã, cerca de
12 horas depois de FHC reclamar da
dissonância cognitiva e decretar que
"moeda não fica de pé", Calheiros ofereceu sua avaliação azeda sobre o episódio na PF:
"O presidente procurou uma saída
honrosa para todos. Ele tentou, mas
não sei se conseguiu."
Ora, se Renan Calheiros estava insatisfeito publicamente por causa de
uma ação administrativa do presidente, era o caso de repreender ou demitir
o ministro -e não de adulá-lo.
Mas, no mesmo dia do resmungo de
Calheiros, veio a lisonja. Na quinta-feira à noite (24 horas depois de os
ministros saberem que "moeda não fica de pé"), o porta-voz do Planalto
disse o seguinte: "O presidente tem
confiança cabal no ministro".
A declaração foi encomendada pelo
PMDB. O presidente atendeu prontamente a exigência. E viva a dissonância cognitiva do professor Cardoso.
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