São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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Gargalo da saúde

RUY ALTENFELDER

Noventa por cento dos 5.864 hospitais brasileiros são conveniados com o SUS (Sistema Único de Saúde), suprindo o atendimento da grande maioria da população. Sua demanda cresce à medida que o desemprego, a redução da renda média do trabalhador e a exclusão social reduzem o acesso à medicina privada.
A esses dados do Ministério da Saúde acrescentam-se importantes números da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas: essas instituições -2.500- representam 50% dos leitos hospitalares do país e 37,4% do total de internações no âmbito do SUS. São cerca de 5 milhões de internações anuais, pelas quais são pagos, em média, ínfimos R$ 438 por paciente. Esse valor, obviamente, não cobre nem de longe o custo dos procedimentos.
Apesar de sua importância no sistema nacional de saúde, as santas casas, cuja criação é quase contemporânea à colonização (a primeira foi fundada por Braz Cubas, em 1543, em Santos), não recebem suporte financeiro compatível. Além disso, os repasses de recursos por parte dos governos é feito sempre com grande atraso, obrigando-as a recorrer a empréstimos bancários. Considerando os altos juros brasileiros, não é difícil entender por que muitos hospitais filantrópicos enfrentam sensíveis dificuldades financeiras.
A discussão não é nova, mas a crônica ausência de soluções e o aumento de demanda devido à piora do cenário socioeconômico tornam o quadro mais premente e grave. O problema, além de ameaçar o atendimento de numerosos pacientes, também interfere diretamente no campo do conhecimento médico, pois há várias escolas de medicina ligadas a hospitais filantrópicos.
Exemplo nesse sentido é a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que mantém sete hospitais e três faculdades, a de Medicina, a de Enfermagem e a de Fonoaudiologia. Esse complexo, somando 2.408 leitos hospitalares, atende 6.000 pacientes diariamente. Somente no ambulatório -no qual, segundo as estatísticas históricas de saúde pública, solucionam-se cerca de 85% dos casos-, são aproximadamente 1,15 milhão de atendimentos anuais. Também deve ser destacada a significativa produção científica, nos cursos de graduação e pós-graduação.


Apesar de sua importância no sistema nacional de saúde, as santas casas não recebem suporte financeiro compatível

A instituição, situada numa das maiores cidades do mundo, onde o atendimento universal é indispensável para expressivo contingente populacional sem acesso à medicina privada, também não recebe dos governos Estadual e federal recursos compatíveis com o volume e a excelência dos serviços que presta à sociedade e, igualmente, é vítima do atraso nos repasses.
A questão dos hospitais filantrópicos precisa ser solucionada de forma definitiva, pois é um imenso gargalo no sistema de saúde. O país carece, aliás, de um programa global mais eficiente para o setor, capaz de articular melhor os recursos e a infra-estrutura estatais, privadas e filantrópicas, evitando a superposição de serviços e, portanto, otimizando os financiamentos e os recursos destinados ao custeio.
É preciso resgatar no Brasil a essência da Conferência de Alma-Ata, realizada em 12 de setembro de 1978, na antiga União Soviética, marco do compromisso das nações com o atendimento médico de seus povos: "Os cuidados com a saúde são prioritários (....) e essenciais para garantir o desenvolvimento e o espírito da justiça social".

Ruy Martins Altenfelder Silva, 65, advogado, é presidente do Instituto Roberto Simonsen, organismo de estudos avançados da Fiesp. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (2001-2002).


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