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Gargalo da saúde
RUY ALTENFELDER
Noventa por cento dos 5.864 hospitais brasileiros são conveniados
com o SUS (Sistema Único de Saúde),
suprindo o atendimento da grande
maioria da população. Sua demanda
cresce à medida que o desemprego, a redução da renda média do trabalhador e
a exclusão social reduzem o acesso à
medicina privada.
A esses dados do Ministério da Saúde
acrescentam-se importantes números
da Confederação das Santas Casas de
Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas: essas instituições
-2.500- representam 50% dos leitos
hospitalares do país e 37,4% do total de
internações no âmbito do SUS. São cerca de 5 milhões de internações anuais,
pelas quais são pagos, em média, ínfimos R$ 438 por paciente. Esse valor, obviamente, não cobre nem de longe o
custo dos procedimentos.
Apesar de sua importância no sistema
nacional de saúde, as santas casas, cuja
criação é quase contemporânea à colonização (a primeira foi fundada por
Braz Cubas, em 1543, em Santos), não
recebem suporte financeiro compatível.
Além disso, os repasses de recursos por
parte dos governos é feito sempre com
grande atraso, obrigando-as a recorrer a
empréstimos bancários. Considerando
os altos juros brasileiros, não é difícil entender por que muitos hospitais filantrópicos enfrentam sensíveis dificuldades financeiras.
A discussão não é nova, mas a crônica
ausência de soluções e o aumento de demanda devido à piora do cenário socioeconômico tornam o quadro mais
premente e grave. O problema, além de
ameaçar o atendimento de numerosos
pacientes, também interfere diretamente no campo do conhecimento médico,
pois há várias escolas de medicina ligadas a hospitais filantrópicos.
Exemplo nesse sentido é a Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo, que mantém sete hospitais e três faculdades, a de
Medicina, a de Enfermagem e a de Fonoaudiologia. Esse complexo, somando
2.408 leitos hospitalares, atende 6.000
pacientes diariamente. Somente no ambulatório -no qual, segundo as estatísticas históricas de saúde pública, solucionam-se cerca de 85% dos casos-,
são aproximadamente 1,15 milhão de
atendimentos anuais. Também deve ser
destacada a significativa produção científica, nos cursos de graduação e pós-graduação.
Apesar de sua importância no sistema nacional de saúde, as santas casas não recebem suporte financeiro compatível
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A instituição, situada numa das maiores cidades do mundo, onde o atendimento universal é indispensável para
expressivo contingente populacional
sem acesso à medicina privada, também não recebe dos governos Estadual
e federal recursos compatíveis com o
volume e a excelência dos serviços que
presta à sociedade e, igualmente, é vítima do atraso nos repasses.
A questão dos hospitais filantrópicos
precisa ser solucionada de forma definitiva, pois é um imenso gargalo no sistema de saúde. O país carece, aliás, de um
programa global mais eficiente para o
setor, capaz de articular melhor os recursos e a infra-estrutura estatais, privadas e filantrópicas, evitando a superposição de serviços e, portanto, otimizando os financiamentos e os recursos destinados ao custeio.
É preciso resgatar no Brasil a essência
da Conferência de Alma-Ata, realizada
em 12 de setembro de 1978, na antiga
União Soviética, marco do compromisso das nações com o atendimento médico de seus povos: "Os cuidados com a
saúde são prioritários (....) e essenciais
para garantir o desenvolvimento e o espírito da justiça social".
Ruy Martins Altenfelder Silva, 65, advogado, é
presidente do Instituto Roberto Simonsen, organismo de estudos avançados da Fiesp. Foi secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento
Econômico e Turismo do Estado de São Paulo
(2001-2002).
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