São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006

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Sangria interminável

O saldo mais provável do caso dos sanguessugas é o coroamento de uma das piores legislaturas das últimas décadas no Brasil

ATÉ O início desta semana, as suspeitas em torno da máfia dos sanguessugas tinham como fundamento o depoimento de uma única testemunha -a ex-assessora do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino, responsável pela acusação de que centenas de parlamentares estariam envolvidos num esquema fraudulento de venda de ambulâncias para prefeituras. Em curso há oito dias e passível de estender-se ainda mais, o depoimento do empresário Luiz Antônio Vedoin na 2ª Vara Federal de Cuiabá traz elementos capazes de dar novo rumo às investigações.
Vedoin é um dos sócios da Planam, empresa responsável pela intermediação entre as prefeituras e os deputados. Ele não apenas confirmou o esquema como apresentou provas de pagamento de propina a mais de 60 parlamentares em troca da aprovação de emendas para liberação da compra de ambulâncias.
Preso desde o mês de maio e incentivado pelo programa de "delação premiada", o empresário não é figura isenta no processo. Mas as informações que pode prestar representam um passo decisivo para definir a fisionomia do esquema. Estão em jogo delitos como lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ativa, formação de quadrilha e crime contra a Lei de Licitações.
De acordo com a Polícia Federal, as operações criminosas movimentaram R$ 110 milhões desde 2001 -a fatia partilhada entre os beneficiados variava entre 10% a 15%. Mas o número de congressistas ainda era uma incógnita: uma das acusações chegou a envolver 283 nomes, e desde então diversas cifras foram aventadas, todas sem substância. Com o fim do depoimento do empresário e a submissão das provas à CPI dos Sanguessugas, estarão reunidos pela primeira vez os elementos necessários ao esclarecimento efetivo do caso.
É pouco provável, contudo, que isso ocorra. Ao menos por parte das CPIs. Elas têm se caracterizado mais pelo jogo de cena -útil, sem dúvida, para manter as apurações em evidência e reforçar a necessidade de cobrança- do que pela concretude das investigações e das conclusões. As absolvições em que culminaram as apurações sobre o caso do mensalão são retrato eloqüente da impunidade que impera no Congresso. E o quadro piora diante do calendário de 2006: com o início da campanha eleitoral, as prioridades se invertem e a praxe é protelar tudo que não diga respeito às eleições.
O saldo mais provável do episódio dos sanguessugas será simbólico: contribuir para o coroamento de um dos piores períodos legislativos desde a redemocratização. Nos últimos quatro anos, deputados e senadores foram pródigos em contribuir para a impressão de generalidade da corrupção e para o descrédito do Congresso como instituição.
Ao lado de "mensalão", "mensaleiro" e "valerioduto", "sanguessuga" é um acréscimo valioso ao léxico político dos últimos anos. Ele sintetiza, talvez com mais precisão vernacular do que todos os outros, o ponto a que chegou a imagem da representação parlamentar no país.


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