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OTAVIO FRIAS FILHO
Imprensa livre
Parece óbvia a motivação do
governo ao pretender a criação de
um Conselho Federal de Jornalismo.
Depois da divulgação do caso Waldomiro e de outros episódios escandalosos ou suspeitos, veio uma escalada: a
tentativa de expulsar o correspondente Larry Rohter, as "lições" do ministro Gushiken sobre como a imprensa
deveria cobrir o governo e agora o
projeto voltado a "orientar e disciplinar" (sic) a atividade jornalística.
Tudo isso é parte de um movimento
cujo objetivo é emperrar o sistema de
freios e contrapesos que está no cerne
da democracia, mas incomoda qualquer governo. Daí os esforços para intimidar a Justiça, enquadrar o Ministério Público e, agora, "disciplinar" a
imprensa por meio da Federação Nacional dos Jornalistas -entidade sindical legítima, mas com inabalável histórico de atrelamento ao PT.
Muitas pessoas se perguntam, porém, e com razão: se advogados, médicos e engenheiros estão submetidos
a conselhos semelhantes, por que não
os jornalistas? Estes também não cometem erros graves e não há, em seu
meio, profissionais irresponsáveis e
ineptos? Claro que sim. Mas a regulamentação da imprensa oferece riscos e
dificuldades que não existem no caso
de outras profissões.
Há pouca divergência entre médicos
sobre como operar um coração, entre
engenheiros sobre como construir
uma ponte. São atividades de natureza
técnica. No jornalismo, essa divergência é constante e maior. Existem muitas maneiras de relatar um fato, inúmeras interpretações a seu respeito. E
nenhum critério seguro para definir
qual delas é a melhor. O melhor serviço prestado pelo jornalismo é divulgar
a riqueza desse contraditório.
A outra peculiaridade do jornalismo
é que nenhum governo tem interesse
em tutelar advogados, veterinários ou
paleontólogos, mas todo governo está
vivamente interessado em tutelar jornalistas se lhe for dada a chance. Melhor ainda se puder fazê-lo com a mão
do gato, por meio de um entidade títere, de modo a se eximir do desgaste de
censurar diretamente a imprensa.
Os conselhos profissionais são descendentes remotos das guildas da Idade Média, uma época em que as corporações se regulavam porque o Estado não estava organizado a ponto de
fazê-lo por meio da legislação. O prestígio desses colegiados só voltou a
crescer na época do fascismo, quando
eles se multiplicaram já então como
braços do Estado autoritário.
Entidades como a OAB prestaram
valiosos serviços à categoria dos advogados e ao país. Nem por isso toda regulamentação corporativa é boa, nem
democrática. Além da legislação em
vigor -que pune calúnia, injúria e difamação e estabelece reparações para
quem é prejudicado por notícia falsa-, a livre competição entre os
meios, a adoção de ouvidores independentes (como o ombudsman deste jornal) e outras formas de auto-regulamentação seriam caminho mais
seguro.
Se o Congresso Nacional quiser entregar mais poder ao governo do PT,
que ao menos limite as sanções que o
conselho poderia aplicar a reprimendas "morais", sem força para cassar o
direito de críticos e desafetos de exercer a profissão. Ficaria opinião contra
opinião, e não demoraria para as sanções serem exibidas como atestado de
independência e integridade pelos
que as recebessem...
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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