São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Coisas maravilhosas

RIO DE JANEIRO - Indo para o Galeão, peguei um viaduto que ia dar na Linha Vermelha. Lá de cima, vi um campo de futebol, pequenino, desativado. Custei a reconhecer que aquele era o estadinho do São Cristóvão, time pelo qual meu pai torcia, acho que solitariamente, não conheci outro torcedor dos chamados "alvos" -a camisa do time era branca.
Só estive ali uma única vez, em companhia de Mário Filho e Nelson Rodrigues, para assistir a um jogo do Fluminense contra o time local. Precisávamos daquela vitória, éramos considerados um "timinho", tínhamos Didi, Orlando, Telê, Pinheiro, Castilho, Carlyle, seríamos campeões naquele ano, mas não convencíamos, o empate seria um desastre, a derrota, letal.
O São Cristóvão, seguindo a tradição, era mais uma vez o lanterninha do campeonato e, ainda por cima, estava sem goleiro. Convocaram às pressas um marinheiro que tomava conta dos barcos do clube (que, de origem, era clube de regatas, meu pai foi remador de um deles).
Chamava-se Mariano, estava gordo, cevado, parece que nunca jogara futebol, mas acabou fechando o gol. Nunca vi nada de mais extraordinário, opinião compartilhada por Mário Filho, que era tricolor disfarçado, e por Nelson Rodrigues, que nem se manifestou, ficou mamando um cigarro apagado o tempo todo e disse um palavrão quando o jogo terminou empatado em zero a zero.
O Fluminense jogou os 90 minutos dentro da área adversária, até Pinheiro, nosso monumental zagueiro central, dava cabeçadas para o canto do gol e o diabólico Mariano catava todas.
Já contei aqui que tive um primo que viu santa Terezinha do Menino Jesus nuns bambuais que havia no quintal de nossa casa. Em matéria de coisas maravilhosas, acho que superei o primo vendo esse tal de Mariano, desengonçado como um orangotango de filme de terror da Republic Pictures, pegando todas. Mário e Nelson já se foram. Pensei neles para não renovar uma dor que nunca esqueci.


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