São Paulo, sexta-feira, 12 de agosto de 2005 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Diálogo partido
GILCIO MARTINS, LUIZ ESMANHOTO e SERGIO SALAZAR
Seu formato, uma escola civil acolhida em âmbito militar, viria a pontilhar sua existência de modo peculiar a partir de 1964. Naquele ano, foram presos pela primeira vez, por motivos políticos, alunos e professores. Seguiram-se seus desligamentos arbitrários pelo Ministério da Aeronáutica, sem ser ouvida a reitoria do ITA. Atos semelhantes repetiram-se em 1965 e 1975, atingindo ao todo 21 alunos e dois professores. A ditadura criaria alguns hábitos duradouros, por vezes demonstrados de forma espetacular. Em 1996, a direção do CTA (Centro Técnico Aeroespacial, campus onde reside o ITA) patrocinou, sob pretexto fútil, uma operação militar de invasão da residência dos alunos e o fechamento do centro acadêmico. Esses atos mostram como o diálogo pode ser por vezes tenso entre a estrutura militar e a administração do ITA. Tornam evidente que a tensão criativa do modelo original precisaria ser aperfeiçoada. O dr. Michal, ele próprio um ex-aluno da década de 60, preocupado em restaurar o lado criativo da junção civil-militar, elaborou as linhas mestras de um plano estratégico, contando com o apoio de um renomado grupo de doutores. Tais estudos originaram a proposta de um novo regulamento. Este regulamento alterava dispositivos que dizem respeito a sua autonomia. Fixava o tempo de mandato dos reitores, a serem escolhidos por Comitês de Busca, em vez de simples indicação do Comando da Aeronáutica. Modernizava seu papel no desenvolvimento tecnológico nacional. Enfatizava ações para melhor inscrever o ITA no roteiro das pós-graduações. A proposta de regulamento foi entregue à direção do CTA em 2004 e de lá não se moveu. Mas o reitor se moveu e pôs em prática algumas de suas formulações, das quais é exemplo a nova dinâmica nos cursos de pós-graduação, que em pouco tempo elevou expressivamente a pontuação do ITA no mapa da Capes. Um de seus movimentos, entretanto, encontrou forte resistência em alguns setores da Aeronáutica: a proposta de revisão para as injustificadas punições políticas ocorridas durante a ditadura. O reparo das punições foi considerado um ato simbólico essencial para reinaugurar o diálogo reitoria/Aeronáutica. Uma clara mensagem comum de respeito à liberdade de expressão no Estado de Direito. Michal percebeu a importância do tópico e teve a cautelosa audácia de colocá-lo em prática. "Cautelosa audácia" porque foi um tema trabalhado durante quase dois anos por uma comissão de ex-alunos, civis e militares, e um ex-reitor. Suas proposições de reintegração dos punidos foram aceitas pela Congregação e devidamente amparadas pela Comissão de Anistia. Como primeiro passo, em 25 de junho passado, os ex-alunos com o curso completo, quatro desligados há 40 anos e dois há 30 anos, foram diplomados em comovente sessão, à qual foram mais de 600 convidados, em boa parte antigos colegas de turma. O aspecto festivo da cerimônia, porém, ocultava uma grave dissonância entre o Deped (Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento), ao qual o ITA se subordina, e a reitoria do ITA, sinal de que antigas rupturas permaneciam sem costura. Para o diretor do Deped, tenente-brigadeiro Sergio Bambini, a diplomação era o constrangido cumprimento de uma determinação legal da Comissão de Anistia. Para a reitoria, era um desejado "rito de passagem" de uma instituição que inauguraria um novo diálogo com a Aeronáutica. O tenente-brigadeiro Bambini presidiu a cerimônia por incumbência de seu cargo, mas, no discurso de encerramento, manifestou publicamente sua contrariedade, o que ensejou início de vaia, imediatamente controlada por cortesia dos convidados. Seu discurso foi a primeira resposta aos estudos elaborados dois anos antes. A resposta definitiva veio 30 dias depois, quando o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Luiz Carlos Bueno, promoveu a demissão do reitor a pedido do tenente-brigadeiro Bambini, sem explicações. A tentativa de renovação do diálogo estava quebrada. A demissão do reitor Michal nessas circunstâncias exige que se acrescente ao incômodo da perplexidade inicial uma profunda indignação. Sua intempestividade desmerece o ITA, a ausência de motivação justa diminui o apreço que se deve às autoridades públicas e sua descortesia é um insulto à comunidade acadêmica do país. Gilcio Martins, 64, Luiz Esmanhoto, 62, Sergio Salazar, 56, ex-alunos do ITA desligados por motivos políticos em 1964, 1965 e 1975, em nome e autorizados por todos os demais colegas desligados do mesmo modo. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Maria Rita Kehl: A elite somos nós Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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