|
Próximo Texto | Índice
Mistérios na PF
Ainda por ser esclarecido, o repatriamento dos boxeadores cubanos levanta a questão dos limites do poder policial
REPATRIADOS a Cuba com
velocidade fulminante,
os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara empenham-se agora
em manifestar à imprensa de seu
país o "sincero arrependimento"
pela tentativa de "deserção" que
protagonizaram, ao entrar em
entendimentos com um empresário internacional.
Num ato típico de "generosidade socialista", Fidel Castro assegura que os boxeadores estão
sendo "bem tratados". Já divulgou, ademais, que terão encerrada a sua carreira esportiva: Fidel
assim o quer. Irá garantir-lhes,
entretanto, postos de trabalho
"decentes".
Como é de praxe em países totalitários, o arbítrio pessoal do tirano se reveste de humor sinistro e toques de suposta magnanimidade: caberá agora às vítimas,
sem dúvida, agradecer a seu algoz. Com o artigo de Fidel Castro
e o "mea culpa" dos pugilistas,
cai pesadamente a cortina sobre
o episódio no que concerne ao
destino dos seus protagonistas e
de suas famílias. Pouca ou nenhuma informação suplementar
sobre o caso haverá de vir, sem
dúvida, do lado cubano.
Do lado brasileiro, entretanto,
há bastante o que investigar. A
velocidade e o sigilo de toda a
operação da Polícia Federal dão
margem a suspeitas sérias quanto ao tipo de articulação entre
autoridades brasileiras e cubanas, no sentido de dar pronto
desfecho ao incidente.
Sabendo-se do orgulho com
que a PF tem alardeado o êxito
de suas atividades mais recentes,
por que a imprensa não teve
acesso aos pugilistas? Por que se
adotou procedimento de "deportação", adequado a estrangeiros
em situação ilegal no país, quando a estada dos dois boxeadores
era absolutamente regular?
Lara e Rigondeaux foram colocados em "liberdade vigiada" assim que se deram a conhecer. Foram de rotina as orientações recebidas pelos agentes policiais
neste caso? De quem partiram?
Para além das obscuridades
que cercam o episódio, um problema institucional mais amplo
se deixa entrever. Prestigiada pelas autoridades, e contando com
o aplauso da opinião pública, a
Polícia Federal vive um período
de grande atividade e relativa independência.
Em diversos momentos, suas
investigações chegaram a resultados inconvenientes para o
Executivo, o que é digno de elogio no ambiente brasileiro. Mas
não há clareza quanto a outro aspecto da questão. Em que medida a instituição conta com um
sistema eficaz e transparente de
avaliação pública de seus procedimentos? Estaremos assistindo
aos resultados notáveis de uma
atuação independente da Polícia
Federal, ou a sucessivos lances
de uma disputa na qual setores
da instituição atendem, alternadamente, a pressões políticas
distintas?
Todo poder, num regime democrático, está submetido a
freios e contrapesos. Qual sua
eficácia no âmbito da PF? Em casos como o dos boxeadores cubanos, valeria lembrar, adaptando-a à terminologia específica, uma
velha fórmula de Marx, escrita
em outro contexto: quem investiga o investigador?
Próximo Texto: Editoriais: Desconfiança no metrô Índice
|