São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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Mistérios na PF

Ainda por ser esclarecido, o repatriamento dos boxeadores cubanos levanta a questão dos limites do poder policial

REPATRIADOS a Cuba com velocidade fulminante, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara empenham-se agora em manifestar à imprensa de seu país o "sincero arrependimento" pela tentativa de "deserção" que protagonizaram, ao entrar em entendimentos com um empresário internacional.
Num ato típico de "generosidade socialista", Fidel Castro assegura que os boxeadores estão sendo "bem tratados". Já divulgou, ademais, que terão encerrada a sua carreira esportiva: Fidel assim o quer. Irá garantir-lhes, entretanto, postos de trabalho "decentes".
Como é de praxe em países totalitários, o arbítrio pessoal do tirano se reveste de humor sinistro e toques de suposta magnanimidade: caberá agora às vítimas, sem dúvida, agradecer a seu algoz. Com o artigo de Fidel Castro e o "mea culpa" dos pugilistas, cai pesadamente a cortina sobre o episódio no que concerne ao destino dos seus protagonistas e de suas famílias. Pouca ou nenhuma informação suplementar sobre o caso haverá de vir, sem dúvida, do lado cubano.
Do lado brasileiro, entretanto, há bastante o que investigar. A velocidade e o sigilo de toda a operação da Polícia Federal dão margem a suspeitas sérias quanto ao tipo de articulação entre autoridades brasileiras e cubanas, no sentido de dar pronto desfecho ao incidente.
Sabendo-se do orgulho com que a PF tem alardeado o êxito de suas atividades mais recentes, por que a imprensa não teve acesso aos pugilistas? Por que se adotou procedimento de "deportação", adequado a estrangeiros em situação ilegal no país, quando a estada dos dois boxeadores era absolutamente regular?
Lara e Rigondeaux foram colocados em "liberdade vigiada" assim que se deram a conhecer. Foram de rotina as orientações recebidas pelos agentes policiais neste caso? De quem partiram?
Para além das obscuridades que cercam o episódio, um problema institucional mais amplo se deixa entrever. Prestigiada pelas autoridades, e contando com o aplauso da opinião pública, a Polícia Federal vive um período de grande atividade e relativa independência.
Em diversos momentos, suas investigações chegaram a resultados inconvenientes para o Executivo, o que é digno de elogio no ambiente brasileiro. Mas não há clareza quanto a outro aspecto da questão. Em que medida a instituição conta com um sistema eficaz e transparente de avaliação pública de seus procedimentos? Estaremos assistindo aos resultados notáveis de uma atuação independente da Polícia Federal, ou a sucessivos lances de uma disputa na qual setores da instituição atendem, alternadamente, a pressões políticas distintas?
Todo poder, num regime democrático, está submetido a freios e contrapesos. Qual sua eficácia no âmbito da PF? Em casos como o dos boxeadores cubanos, valeria lembrar, adaptando-a à terminologia específica, uma velha fórmula de Marx, escrita em outro contexto: quem investiga o investigador?


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