São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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MINISTÉRIO PÚBLICO

Tem sido inestimável para o avanço das instituições brasileiras a existência de um Ministério Público (MP) independente e atuante. Como toda instituição humana, porém, o MP está sujeito a erros. Embora, em tese, busquem a verdade, os promotores são parte no processo e naturalmente por vezes deixam-se levar pelo afã de vencer. Na prática, revelam-se em alguns casos mais interessados em condenar o acusado do que em absolvê-lo caso as provas se mostrem viciadas ou insuficientes.
Não são poucas as vozes que se têm levantado contra ações do MP, a indicar uma suposta extrapolação de seu papel institucional. O órgão é acusado de cometer abusos, de atuar politicamente e de ultrapassar seus limites legais. É nesse contexto que se inscreve a polêmica em torno da competência do MP para realizar investigações criminais. A questão está em exame no Supremo Tribunal Federal, que deverá em breve manifestar-se.
Esta Folha tem defendido que o MP possa gozar de poderes investigatórios, importantes para elucidar casos que a autoridade policial, por alguma razão, não se mostre disposta a esclarecer. Num país como o Brasil, onde a corrupção, o poder de pressão das autoridades e a cultura da impunidade atingem dimensões preocupantes, não é demais ver com suspeição o interesse de políticos e representantes do poder em cercear a atividade de promotores.
Todavia, à luz das posições expostas no amplo debate dos últimos meses, no qual se pronunciaram renomados juristas, é forçoso considerar que o texto constitucional não permite que o MP inicie, por conta própria, investigações e realize diligências. A leitura conjugada dos artigos 129, que trata das funções da instituição, e 144, que versa sobre a segurança pública e dá à Polícia Federal e às polícias civis dos Estados a atribuição das investigações criminais, conduz a essa conclusão, ainda que a hermenêutica jurídica sempre permita outras soluções.
Existem razões teóricas para o constituinte ter levado a efeito essa divisão. A história e a prudência ensinam que é sempre temerário reunir poderes em demasia num único órgão. Assim, reservou-se às polícias a tarefa de realizar os procedimentos investigativos, enquanto o MP ficaria incumbido da peça acusatória. Isso não significa, em absoluto, que o MP tenha sido diminuído, pois a Constituição lhe dá a prerrogativa de ordenar à polícia a instauração de inquéritos e de requisitar diligências, bem como de acompanhá-las. Mais ainda, a Carta encarrega o MP de realizar o controle externo das polícias.
A repartição dos poderes, tal como desenhada na Constituição, é equilibrada. Conceder ao órgão a capacidade de investigar e acusar sem nem mesmo um acompanhamento externo seria excessivo e daria margem a desvios em desfavor da defesa.
Apenas em situações extremas, em que a polícia por alguma eventualidade não responda a um determinado procedimento pedido pelo promotor, aí sim o órgão estaria autorizado a atuar por conta própria, a título de exercer o controle externo.
É fundamental para a democracia brasileira que exista um MP forte e atuante. Porém é imprescindível que a repartição dos poderes se mantenha em equilíbrio, segundo a salutar fórmula de freios e contrapesos.


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