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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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JUSTIÇA NA BERLINDA

A maneira intempestiva com que representantes do Poder Judiciário repudiaram a proposta de inspeção de alguns de seus procedimentos por parte da ONU revela bem o espírito de corpo que cerca a instituição. A menos para quem se julga superior a tudo e a todos, não há nada de errado se deixar avaliar por instâncias externas. Abrir as portas do Judiciário para a ONU não significa perda de soberania nem nada parecido. Antes, é uma atitude que revela maturidade para ouvir críticas e, a partir delas, melhorar. E a Justiça certamente precisa melhorar.
Não são poucos os observadores que afirmam estar o Poder Judiciário brasileiro falido. Em que pese algum exagero que essa declaração possa encerrar, o fato inconteste é que a Justiça no Brasil, sob diversos aspectos, tem deixado muito a desejar.
Quem traçou um bom diagnóstico da situação, em artigo publicado por esta Folha, foi o desembargador Cláudio Baldino Maciel, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. Na visão de Maciel, há um paradoxo fundamental em torno da Justiça brasileira. Enquanto ela permanece inacessível para milhões de cidadãos, os tribunais estão abarrotados de processos, a principal causa da já proverbial morosidade do Judiciário.
A aparente contradição se desfaz quando se constata que muitos processos tramitam exclusivamente para retardar ou resistir a comandos legais ou contratuais. Como escreveu Maciel, "o mau pagador, o descumpridor de suas obrigações -em suma, o "mais esperto'- utiliza-se das disfuncionalidades do sistema jurídico, de juros de mora irrisórios, vastas possibilidades recursais e da falta de severa punição pelo descumprimento injustificado das decisões para levar vantagem". Mais grave é o próprio poder público, que frequentemente se vale desses artifícios.
Não resta dúvida de que é urgente uma reforma do Judiciário. Ela está na pauta do Congresso já há mais de uma década. Não avança porque são muitos e poderosos os interessados na manutenção do "statu quo", a começar do próprio Estado.
Se o governo do Partido dos Trabalhadores quer realmente aproximar a Justiça da população, deveria, em vez de propor esdrúxulas "parcerias" com o setor privado para angariar recursos para o Judiciário, cuidar para que finalmente fosse aprovada uma reforma para tornar a prestação jurisdicional mais universal e ágil. Esse é um dos pré-requisitos institucionais para que o país enfim rompa o ciclo do subdesenvolvimento.



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