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JUSTIÇA NA BERLINDA
A maneira intempestiva
com que representantes do Poder Judiciário repudiaram a proposta
de inspeção de alguns de seus procedimentos por parte da ONU revela
bem o espírito de corpo que cerca a
instituição. A menos para quem se
julga superior a tudo e a todos, não
há nada de errado se deixar avaliar
por instâncias externas. Abrir as portas do Judiciário para a ONU não significa perda de soberania nem nada
parecido. Antes, é uma atitude que
revela maturidade para ouvir críticas
e, a partir delas, melhorar. E a Justiça
certamente precisa melhorar.
Não são poucos os observadores
que afirmam estar o Poder Judiciário
brasileiro falido. Em que pese algum
exagero que essa declaração possa
encerrar, o fato inconteste é que a
Justiça no Brasil, sob diversos aspectos, tem deixado muito a desejar.
Quem traçou um bom diagnóstico
da situação, em artigo publicado por
esta Folha, foi o desembargador
Cláudio Baldino Maciel, do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. Na visão de Maciel,
há um paradoxo fundamental em
torno da Justiça brasileira. Enquanto
ela permanece inacessível para milhões de cidadãos, os tribunais estão
abarrotados de processos, a principal causa da já proverbial morosidade do Judiciário.
A aparente contradição se desfaz
quando se constata que muitos processos tramitam exclusivamente para retardar ou resistir a comandos legais ou contratuais. Como escreveu
Maciel, "o mau pagador, o descumpridor de suas obrigações -em suma, o "mais esperto'- utiliza-se das
disfuncionalidades do sistema jurídico, de juros de mora irrisórios, vastas possibilidades recursais e da falta
de severa punição pelo descumprimento injustificado das decisões para levar vantagem". Mais grave é o
próprio poder público, que frequentemente se vale desses artifícios.
Não resta dúvida de que é urgente
uma reforma do Judiciário. Ela está
na pauta do Congresso já há mais de
uma década. Não avança porque são
muitos e poderosos os interessados
na manutenção do "statu quo", a começar do próprio Estado.
Se o governo do Partido dos Trabalhadores quer realmente aproximar a
Justiça da população, deveria, em vez
de propor esdrúxulas "parcerias"
com o setor privado para angariar recursos para o Judiciário, cuidar para
que finalmente fosse aprovada uma
reforma para tornar a prestação jurisdicional mais universal e ágil. Esse
é um dos pré-requisitos institucionais para que o país enfim rompa o
ciclo do subdesenvolvimento.
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