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DIAGNÓSTICO DIFÍCIL
Por estranho que pareça, a
morte é um dos diagnósticos
mais difíceis de fazer. E exigências da
própria medicina, notadamente a de
tentar suprir a demanda por órgãos
vitais para transplantes, se encarregam de tornar a questão ainda mais
problemática.
Mais ou menos até meados do século 20, a definição legal de morte
em vários países não oferecia grandes dilemas: considerava-se alguém
morto quando seu sistema cardiorrespiratório cessava de funcionar.
Essa definição, como qualquer outra, embora resolva o problema pontual de quando proclamar alguém
morto, está longe de esgotar a questão em seu aspecto científico.
É que, para a ciência, a morte é um
processo, e não um evento. Cessado
o fluxo sanguíneo e, consequentemente, o suprimento de oxigênio e
de nutrientes para as células, diferentes tecidos começam a "morrer", em
diferentes tempos, dependendo ainda de uma série de fatores ambientais. Mesmo num corpo sadio, há células morrendo constantemente.
Quando morre o indivíduo? Não há
uma resposta unívoca para a questão. A rigor, temos dificuldades até
para definir o que é indivíduo. Basta
um corpo com suas funções vitais intactas ou é necessário também que
exista alguma forma de consciência?
Questionamentos como esses são
pertinentes, mas pouco práticos. É
possível que muitas das perguntas
cabíveis nem tenham respostas. O
melhor é renunciar a uma definição
filosófica e cientificamente muito
precisa e conformar-se com um critério legal que procure apenas ordenar as decisões concretas que precisam ser tomadas em torno da morte.
E mesmo essa tarefa já é terrivelmente complexa e polêmica.
Atualmente, a maioria dos países
trabalha com o conceito de morte encefálica. A idéia aqui é que existe um
ponto a partir do qual a destruição
das células do tronco cerebral é de tal
ordem que o indivíduo, ainda que
submetido a suporte ventilatório e
cardíaco, não teria mais como recuperar-se, evoluindo necessariamente
para o óbito. A noção de morte encefálica, bem como os primeiros protocolos para determiná-la, datam de
1968, logo depois da primeira cirurgia de transplante cardíaco. Para que
se possa realizar esse tipo de procedimento, é necessário que os órgãos
sejam retirados enquanto as funções
vitais ainda estão mantidas.
E o problema é que os testes utilizados na determinação da morte encefálica -em especial o exame da apnéia- vêm sofrendo cada vez mais
críticas de especialistas em todo o
mundo. O Conselho Federal de Medicina (CFM) acaba de ser instado
pelo Ministério Público a explicar a
segurança do procedimento, que
consiste em desligar, por dez minutos, os respiradores que mantêm o
paciente em coma profundo. Há
quem afirme que esse procedimento
pode levar à morte um indivíduo
com chances de recuperação.
O assunto é extremamente delicado e pode interferir diretamente na
oferta de órgãos para transplante.
Assim, é fundamental que o CFM
responda ao questionamento de forma transparente e tecnicamente fundamentada. Que tenha, também, a
maturidade para rever seus procedimentos se se chegar à conclusão de
que é o caso de fazê-lo.
Ainda que num sentido mais amplo seja impossível responder exatamente quando a morte se torna irreversível, é preciso ao menos estabelecer um critério legal e um procedimento técnico aceitáveis para declarar alguém morto. A pior conduta
aqui seria tentar ocultar do público
as informações fundamentais.
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