São Paulo, quarta-feira, 12 de outubro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Aprendemos com a crise

JANIO POHREN

Uma data não vai deixar saudade para nós, empregados dos Correios. Aos 15 de maio, vimos, entre surpresos e chocados, a credibilidade e a respeitabilidade da empresa, acumuladas ao longo de décadas de trabalho, sofrer abalo de proporções, à época, incalculáveis. O estopim do escândalo: o chefe do Departamento de Contratação e Administração, Maurício Marinho, foi filmado quando aceitava pagamento de R$ 3 mil de empresários interessados em vencer uma licitação.


Vimos a credibilidade dos Correios, acumulada ao longo de décadas, sofrer abalo de proporções, à época, incalculáveis


Na seqüência, mais surpresas desagradáveis para os 108 mil empregados dos Correios, em particular, e para a população brasileira, em geral, acostumada a conviver com uma empresa de padrões de excelência internacionais: acusações de irregularidades generalizadas.
A nossa reação diante desse caos que ameaçava desestabilizar a empresa foi de revolta. A princípio, ainda em estado de choque, houve quem não acreditasse que um escândalo dessas proporções pudesse nos atingir.
Mas o crescimento do número de denúncias veiculadas na imprensa nos fez perceber que nos encontrávamos no olho do furacão: os Correios foram atingidos a ponto de a população, sempre do nosso lado -indicando a empresa como exemplo de eficiência-, passar a ironizar a função dos carteiros, logo eles, que nada tinham a ver com todo aquele imbróglio.
A reação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, não demorou. Em 9 de junho, a diretoria anterior foi exonerada. Um grupo de profissionais experientes, com décadas de atuação na empresa, liderados por mim, assumiu a direção dos Correios. Começou, então, um período de sacrifícios, de incertezas e de dúvidas.
Enquanto isso, as denúncias, na maioria das vezes não comprovadas, multiplicavam-se. Tão velozes e tão terríveis que atrelaram o nome da empresa à CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que, mais tarde, mudaria de foco e apuraria o que a imprensa passou a chamar de "mensalão".
Toda essa avalanche de denúncias, nem sempre comprovadas, acaba ligada aos Correios, indevidamente, por causa do nome da CPMI, mesmo que o assunto não tivesse nada a ver conosco.
O presidente da República assumira o compromisso de apurar tudo e, em razão disso, cobrava resultados dos órgãos de investigação do próprio governo, da Controladoria Geral da União e da Polícia Federal.
Nos Correios, a decisão da diretoria foi seguir essas orientações. Mais de 60 auditores, não só do governo mas também do TCU (Tribunal de Contas da União), assim como procuradores da República, tiveram acesso a contratos, negócios, serviços. Enfim, as informações foram disponibilizadas sem temor.
De nossa parte, adotamos providências firmes. Ao longo de 120 dias à frente dos Correios, abrimos 15 sindicâncias, afastamos 17 executivos de funções estratégicas. Demitimos, por justa causa, o senhor Maurício Marinho. Seis processos licitatórios foram suspensos. O contrato com a agência SMP&B foi cancelado. Irregularidades flagradas nos levaram a multar vários fornecedores, basicamente por descumprimento de contratos, no valor de R$ 4,6 milhões.
No setor de franquias, suspendemos transferências de titularidade, ou seja, o franqueado não poderá mais passar o negócio para terceiros. Os empregados que cuidam de negócios da empresa ou da compra de qualquer tipo de equipamento foram proibidos de receber fornecedores sem a presença de pelo menos mais um profissional. Reforçamos a segurança interna. Redefinimos o modelo de gestão de contratos. Priorizamos a adoção do pregão eletrônico como forma de licitação. Estabelecemos um modelo de auto-auditoria.
Precisávamos agir -e agimos. Além de enfrentar a crise externa e, mais que isso, evitar que fatos como esses se repetissem, não podíamos parar -e não paramos. As cartas continuaram a ser entregues no dia seguinte ao da postagem (exceção apenas ao curto período da greve parcial em setembro). O Exporta Fácil continuou sendo o canal preferido para os nossos artesãos, artistas e pequenos industriais enviarem encomendas para o exterior. O Banco Postal bateu, em setembro, o recorde de 4 milhões de contas abertas no país. A Universidade dos Correios voltou, depois de seis anos, a oferecer curso de graduação em Administração Postal, com o mais alto índice de concorrência em vestibulares realizados no Brasil: 300 candidatos por vaga.
Estamos vigilantes. Não nos imobilizamos. Nem nos imobilizaremos. Uma das poucas empresas de correios superavitárias no mundo, a ponto de gerar significativos dividendos ao Tesouro Nacional, continua tão lucrativa quanto antes -mesmo após esse furacão a la Katrina que nos assolou. Projeções internas apontam aumento do movimento postal: passaremos de 8 para 8,7 bilhões de objetos em 2005, representando um crescimento de 9%.
Evidentemente, ainda não estamos em um céu de brigadeiro. Muito precisa ser feito. Estamos no caminho da transparência, da apuração de tudo o que deve ser apurado. Aprendemos com a crise. Confiamos no futuro desta organização.
Palavra de quem trabalha nos Correios há 23 anos e conhece a cultura e a determinação dos 108 mil empregados desta empresa.

Janio Cezar Luiz Pohren, 44, economista e administrador postal, é presidente dos Correios.


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