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TENDÊNCIAS/DEBATES
Nada justifica a violência contra as crianças
MARIE-PIERRE POIRIER e PAULO SÉRGIO PINHEIRO
No Brasil, em 2000, houve, em média, 16 homicídios por dia contra crianças e
adolescentes. Desse total de mortos, 70% eram negros
HOJE, NO Brasil, celebramos o
Dia da Criança, um dia especial de alegria e carinho, quando crianças e adolescentes ocupam o
centro de nossas atenções. Este é
também um momento para que nos
questionemos se, em todos os dias do
ano, elas são valorizadas e protegidas
como deveriam ser.
No mundo inteiro, meninos e meninas sofrem com as diferentes formas de violência. O primeiro estudo
global sobre a violência contra a
criança, apresentado ontem na Assembléia Geral das Nações Unidas,
quer promover uma grande virada: o
fim de qualquer justificativa de adultos para praticar a violência contra
crianças, seja ela entendida como
uma tradição, seja camuflada como
uma forma de disciplina.
O relatório foi solicitado pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e
tem o apoio do Unicef, da OMS, do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, além de outras agências, entidades e governos. Resulta de esforços
em cada continente para entender
como a violência impacta a vida da
criança e do adolescente no lar, na escola, na comunidade, no trabalho e
nas instituições e, principalmente,
como ela pode ser prevenida.
As agressões físicas ou verbais
ameaçam a sobrevivência e o bem-estar das crianças. Muitas vezes, são escondidas. O abuso sexual, por exemplo, ocorre a portas fechadas, praticado por pais, parentes e conhecidos. As
crianças sofrem em silêncio. As cicatrizes físicas, emocionais e psicológicas podem gerar sérias implicações
para seu desenvolvimento, saúde e
capacidade de aprender. Elas lhes ensinam que a violência é aceitável, perpetuando essa prática. Portanto, nenhuma forma de violência contra
crianças e adolescentes é justificável,
e todas as suas manifestações devem
ser evitadas.
É papel do Estado, da sociedade e
da família desenvolver políticas,
ações e atitudes que promovam a proteção integral das crianças. A família
deve ser fortalecida, por ser o primeiro local de proteção da criança e do
adolescente, onde se deve aprender
formas não violentas de convivência.
A sociedade precisa superar a visão
que banaliza e naturaliza a violência,
os preconceitos de gênero, raça, condição econômica e idade.
O Estado, por sua vez, deve promover acesso a serviços e investir em políticas públicas integradas de prevenção, atacando as causas da violência.
Também deve garantir a responsabilização dos agressores, rompendo
com o ciclo da impunidade. No Brasil,
é fundamental fortalecer o sistema de
garantia dos direitos, que, com o sistema de segurança pública e Justiça, é
co-responsável pela proteção integral
de meninos e meninas.
Além disso, é preciso investir num
sistema de coleta de dados, com recortes por raça, etnia, situação econômica e local de moradia das vítimas,
para que as políticas de enfrentamento da violência possam ser mais bem
planejadas e implementadas. As próprias crianças precisam ser ouvidas.
No Brasil, uma estratégia de enfrentamento da violência contra a
criança que comece pela meta de reduzir os homicídios, atacando suas
causas subjacentes, poderia ter um
efeito irradiador sobre as outras formas de violência. A consulta nacional
organizada pelo Unicef em 2005, em
preparação para o estudo global, concluiu que o país se destaca negativamente em todas as comparações internacionais pelo alto índice de assassinatos de adolescentes.
Apenas em 2000, foram cometidos,
em média, 16 homicídios por dia contra crianças e adolescentes (Datasus,
2000). Dessas vítimas, 14 tinham entre 15 e 18 anos. Do total de mortos
nessa mesma faixa etária, 70% eram
negros, revelando mais uma das formas de violência, a discriminação racial. Essa agenda tem especial relevância para o Unicef.
Situações assim são um grave atentado aos direitos humanos de crianças e adolescentes que traz, à vida do
país, um atraso em seu desenvolvimento e o distancia do cumprimento
da declaração e dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O desafio
agora é dar prioridade à integração de
políticas de diferentes setores, para
garantir a cada criança e adolescente
o direito a crescer e se desenvolver
plenamente, livre da violência.
MARIE-PIERRE POIRIER, mestre em economia pela Universidade de Paris 1, é representante do Unicef (Fundo
das Nações Unidas para a Infância) no Brasil. Foi representante do Unicef na Namíbia e em Moçambique.
PAULO SÉRGIO PINHEIRO, 62, é especialista independente do secretário-geral da ONU para elaboração do Estudo das Nações Unidas sobre a Violência contra Crianças.
É pesquisador associado do Núcleo de Estudos da Violência, da USP. Foi secretário de Estado dos Direitos Humanos (governo Fernando Henrique Cardoso).
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