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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Política e moral: uma nota
SÃO PAULO - Liberal na economia
e conservadora nos costumes. Marina Silva ouviu essas duas críticas
de boa parte da esquerda durante a
campanha. Além delas, havia uma
terceira ressalva: Marina teria certa
dificuldade de lidar com as coisas
concretas, de tocar o chão da realidade, como se pairasse acima dos
problemas, "au-dessus de la mêlée", vendo do alto o jogo sujo da
política. Sua posição seria, segundo essa crítica, ingênua ou hipócrita -nos dois casos "principista".
Mesmo pessoas simpáticas a Marina devem reconhecer que são objeções que fazem algum sentido.
Em entrevista ao jornal "Valor",
o sociólogo Gabriel Cohn, um dos
grandes intelectuais uspianos, disse o seguinte: "O espantoso é que o
fenômeno Marina é fundamentalmente não político. Ela disse que
governaria por princípios, não faria
alianças". Marina não dizia bem isso, mas que buscava vocalizar um
realinhamento histórico de corte
progressista, no qual PSDB e PT pudessem atuar juntos.
Voltamos à discussão sobre moral e política. Numa perspectiva de
esquerda, a "boa política" deve se
colocar entre o principismo e o
pragmatismo, rejeitando-os mutuamente. Presa só a princípios, a
política se converte em dogma e cai
no moralismo; indiferente a eles, se
banaliza ou legitima o vale-tudo.
O PT, em sua história, migrou de
um polo a outro. No seu início, não
fazia alianças, não deu apoio a Tancredo Neves no Colégio Eleitoral,
recusou-se a assinar a Carta de 1988
etc. Hoje, no poder, o partido afaga
mensaleiros e aloprados, passeia
de mãos dadas com oligarcas etc.
O que é mais necessário no Brasil
atual: atacar o principismo (inexistente) da esquerda ou criticar o vale-tudo ético a que a ela sucumbiu
sem medo de ser feliz?
Como disse o filósofo Ruy Fausto: "A ideia de um partido que, embora participando do processo eleitoral, fosse diferente dos outros, se
perdeu". Para parte dos seus eleitores, Marina talvez fosse um pouco a
musa viável desse elo perdido.
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