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CARLOS HEITOR CONY
Rei filósofo
RIO DE JANEIRO - São justas as homenagens que começam a ser prestadas a FHC neste final de mandato.
Vem mantendo o bom humor e a
cordialidade que o caracterizam, sobretudo nesta fase em que, no ocaso
do poder, os mandatários costumam
ficar nervosos ou deprimidos.
Mas não convém exagerar. Seu governo deixará péssima, dramática
herança para todos nós, em especial
para o grupo que agora será responsável pelos nossos destinos.
Outro dia, ouvi um discurso em que
FHC era citado como rei filósofo. Nenhuma bajulação do orador, que é
um intelectual de primeira qualidade, dos maiores de nossa atualidade.
Nada parecido com aquele que
chamou FHC de "déspota esclarecido". Mesmo assim, embirrei com a
classificação de rei filósofo. Cheirava
a rei Sol. E sou republicano desde
criancinha.
Quanto ao rei filósofo, contraditei
fazendo sem querer uma piada sem
graça. Disse que nenhum rei é filósofo
e jamais um filósofo será rei.
Poderia ser contestado com o exemplo de Marco Aurélio, que foi imperador e é tido como filósofo. Mau filósofo, sem nada ter criado para o pensamento humano, além de máximas de
duvidoso gosto e de nenhuma valia.
E mau imperador também, pois, embora não sendo louco como Calígula
nem sanguinário como Nero, insistiu
em fazer de seu filho o seu sucessor.
Segundo autores tão diferentes, como Gibbon e Renan, foi justamente
essa sucessão familiar que anunciaria a decadência de Roma. Marco
Aurélio morreu nas proximidades de
Viena, perto do Danúbio, que ficou
sendo um dos limites jamais transposto pelo império romano.
Onde estou eu? Fui muito longe,
admito, fui a Marco Aurélio e ao Danúbio para negar a condição de rei filósofo ao nosso presidente da República, que pelo menos nunca insistiu
em eleger seu filho para coisa alguma. Nem conseguiu fazer de Serra o
seu sucessor.
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