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São Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

João Paulo 2º e a igreja no Brasil

AMAURY CASTANHO

Em seus longos 25 anos de fecundo pontificado, o papa João Paulo 2º passará à história como um dos romanos pontífices que mais marcaram a vida da igreja e do mundo. Ele tem sido, incansavelmente, um mestre na fé e pastor universal. Incansável em suas 103 viagens apostólicas, contribuiu para elevar o número dos católicos, entre 1978 e 2003, de 700 milhões para 1,1 bilhão. Poucos outros papas escreveram tantas encíclicas, exortações apostólicas e mensagens abordando, praticamente, todos os problemas internos da igreja e do homem moderno.
Durante o seu pontificado, Karol Wojtyla serviu e alterou também os rumos da Igreja Católica no Brasil. A atual presidência da CNBB e os integrantes do novo Conselho Episcopal dos Bispos, o Consep, são apenas duas das provas do renovado perfil do episcopado brasileiro. Tendo eleito a maioria dos nossos bispos, em especial dos que estão à frente das 268 arquidioceses, dioceses e prelazias, os atuais responsáveis maiores pela igreja estão, certamente, muito mais empenhados na evangelização e catequese que em questões sociais e políticas.
Na década de 80 o papa João Paulo 2º, aprovando as instruções "Libertatis Conscientia" e "Libertatis Nuntius", deixou bem claro que os caminhos percorridos pela Teologia da Libertação, no Brasil e na América, distanciaram-se perigosamente dos valores sociais do Evangelho, marcados pelo amor, pela solidariedade e pela promoção humana em linhas distantes tanto do liberalismo quanto do marxismo. O doloroso, mas necessário, silêncio obsequioso imposto ao ex-franciscano Leonardo Boff certamente contribuiu para recolocar a opção preferencial pelos pobres, feita na Conferência de Puebla, em seu lugar.
As três visitas apostólicas feitas ao Brasil pelo atual venerando pontífice, nos anos de 1980, 92 e 97, não só reuniram em torno de sua pessoa milhões de jovens e adultos, autoridades e cientistas, operários e camponeses, mas também traçaram as necessárias diretrizes a serem seguidas pela igreja. Os volumes publicados pela CNBB, contendo as alocuções feitas por ele nas grandes cidades do Brasil, merecem ser relidos e colocados em prática. Na linha da ortodoxia da fé e da moral cristã, na defesa da vida, da família, do amor e da justiça social, eles apontam os rumos de uma fé aculturada e de uma ação pastoral que responda, o quanto antes, aos numerosos desafios da realidade brasileira.
Merece ainda especial destaque a histórica decisão tomada pelo papa João Paulo 2º quando, em 1989, desmembrou da Arquidiocese de São Paulo quatro novas dioceses: as de São Miguel Paulista, Santo Amaro, Campo Limpo e Osasco. A importante decisão, embora não correspondendo ao projeto apresentado pelo então cardeal dom Paulo Evaristo Arns ao papa Paulo 6º, propondo a criação de dioceses "interdependentes", resultou em novos seminários, catedrais e casas para a formação de agentes de pastoral, na multiplicação de paróquias, na ordenação de vários presbíteros e no necessário incentivo aos novos movimentos eclesiais, tornando a igreja muito mais presente na grande periferia paulistana, há décadas trabalhada agressivamente pelos evangélicos.


Karol Wojtyla terá não apenas uma bela página na história bimilenar da igreja, mas todo um novo capítulo
Acolhendo o episcopado brasileiro no Vaticano, nas "visitas ad limina" realizadas a cada cinco anos, e também, depois das várias assembléias anuais, a presidência da CNBB, o papa João Paulo 2º aprofundou visivelmente a efetiva e afetiva comunhão entre a sua pessoa e os pastores da igreja. Foram momentos decisivos para as novas diretrizes impressas na presença e na ação da maior comunidade católica do mundo.
Mereceriam ser lembrados outros momentos decisivos para a igreja entre nós: a eleição de novos bispos para as mais importantes sedes arquiepiscopais do Brasil, o fechamento do Seminário Regional de Recife, as visitas apostólicas às casas de formação do futuro clero e o envio, para encontros com o episcopado, dos cardeais prefeitos para a congregação dos bispos Bernardin Gantim -com uma carta paterna, porém firme-, Ângelo Sodano -na comemoração dos 500 anos de evangelização, em Porto Seguro (BA)- e Giovanni Batista Rè -em 2002, quando a CNBB celebrava seu jubileu de ouro.
Estou convencido de que Karol Wojtyla terá não apenas uma bela página na história bimilenar da igreja, mas todo um novo capítulo, destacando a sua pessoa como dos mais importantes sucessores do apóstolo Pedro. Embora mereça, João Paulo 2º não necessita de nenhum Prêmio Nobel da Paz. O que ele fez e continuará realizando em seu pontificado credencia-o como um dos maiores romanos pontífices, responsável também, como lembrou Gorbatchov, pela queda do Muro de Berlim e pela derrocada do império soviético.

Dom Amaury Castanho, 76, jornalista, é o bispo diocesano de Jundiaí (SP).


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