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RUY CASTRO
Nada inocentes
RIO DE JANEIRO - Fess Parker, o
ator que interpretou o caçador
Davy Crockett numa série produzida por Walt Disney para a TV americana nos anos 50, morreu em março último, e seus obituários ressaltaram o assombroso sucesso dos filmes: 40 milhões de telespectadores
por semana, de 1954 a 1956, e um gigantesco merchandising em torno
do personagem.
Durante anos, os garotos americanos obrigaram seus pais a comprar-lhes um chapéu de guaxinim,
com rabicho e tudo, como o usado
por Davy. Além dos mocassins, jaquetas de franjas e calças (tudo de
couro), mochilas, rifles de brinquedo, machadinhas, quebra-cabeças,
gibis, o disco com "The Ballad of
Davy Crockett" e toda quinquilharia que se referisse ao herói.
Hoje, o herói já não o é tanto.
Descobriu-se que Crockett, vivendo
na floresta, não matava animais
apenas para comer, mas esfolava-os -coatis, gambás, castores, alces, gamos e até ursos- às centenas, e vendia seus couros e peles
para os intermediários que abasteciam os empórios. Vivia disso. E, de
couro dos pés à cabeça, ele já era
um comercial de si próprio.
Sem saber que incidia em pecado, a série também mostrava Crockett como matador de índios e feroz
perseguidor dos mexicanos que ousavam conspurcar o solo dos EUA.
Enfim, agora descobrimos que, aos
olhos do politicamente correto, não
podia haver personagem pior.
Até morrer, em 1966, Walt Disney
(o Monteiro Lobato americano, só
que ao cubo em matéria de negócios) nunca se preocupou com isso.
Os meninos que idolatravam a série
também não reparavam nas maldades de Davy. Da mesma forma, os
milhões de brasileiros inocentes
que lemos Lobato em criança nunca nos demos conta de que Tia Nastácia vivia sendo humilhada pelo
autor. Tivemos de esperar 50 anos
para que adultos de hoje, mais
perspicazes e nada inocentes, finalmente nos informassem disso.
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