São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES ROBERTO ROMANO Ciência e tempo
Após a sabatina na Folha com o
presidenciável Luiz Inácio da Silva,
em agosto último, foi-me perguntado o
que eu pensava de sua pessoa. Minha
atitude tem sido a mesma em face do PT
e seus dirigentes: apoio no relativo aos
fins e crítica aos atos e falas. Esta, penso,
deve ser a norma dos intelectos livres. A
bajulação deve ser afastada, bem como
as acusações preconceituosas. Respondi ao repórter que o candidato do PT era
um estadista em potencial, considerada
a sua disposição para o diálogo com todos os setores do país e do estrangeiro.
A lógica política é a de errar o mínimo possível, mas a lógica da ética científica é a de garantir aos seus integrantes o direito de buscar conhecimentos e métodos. Se eles não têm a livre investigação, a sua própria ética é suprimida. Este é o âmago da autonomia na cátedra universitária. O Estado não pode, com risco de se tornar mais fraco e menos eficaz, tirar dos pesquisadores sua ética essencial, que se define enquanto busca, e não como uma coleta de certezas engendradas em tempo fixado burocraticamente. No período FHC ocorreu a diminuição drástica do tempo atribuído à pesquisa, sobretudo a destinada à formação dos novos cientistas. Na Capes, se um indivíduo atrasa seis meses a sua dissertação ou tese, todo o programa em que ele se inscreve é punido com diminuição de recursos. O Estado brasileiro, assim, nega os seus próprios interesses, porque os saberes coletivos abreviados são pouco discutidos, experimentados, postos à prova. Os cenários resultantes são frágeis e incompletos. Se a Capes, no período FHC, assumiu a função de abreviar o tempo na pesquisa, com resultados desastrosos que apenas hoje começam a ser percebidos (teses sem o rigor necessário, pesquisas inacabadas etc), o CNPq não conseguiu realizar a sua função plena. Exemplo: ele contou em 2001 (cf. Edital Universal do CNPq) com R$ 30 milhões para uma demanda de R$ 600 milhões. Em 2002, a situação se agravou, na mais séria crise financeira de sua história. Ele não implementou auxílios para participação em importantes eventos científicos e bolsas de diversas modalidades. O Pronex sofreu graves descontinuidades no aporte de recursos. O Programa Institutos do Milênio assegura apenas parte da demanda científica nacional e não foi ampliado. As bolsas de pós-graduação e de produtividade em pesquisa diminuíram entre 1995 e 2001 e não tiveram reajuste nos valores. Se adicionarmos a quase insolvência das universidades federais, os prejuízos para os laboratórios e bibliotecas com a desvalorização do real, os problemas enfrentados por fundações estaduais como a Fapesp, concluímos que os resultados do governo FHC no campo científico, universitário e tecnológico deixam muito a desejar. O governo eleito, sobretudo o presidente, deve manter o diálogo com o mundo da pesquisa e da técnica. Desafio enorme é traduzir o saber dos laboratórios em inovações tecnológicas na indústria e no comércio, propiciando mais conhecimentos para a massa popular. Mas apenas o diálogo, sem atos em tempo certo, pode resultar em maior descrença. É preciso que os ocupantes do Planalto pensem como estadistas, e não mais como contabilistas. Roberto Romano, 56, é professor titular de ética e filosofia da Unicamp. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Paulo Sérgio Pinheiro: Direitos humanos: claro-escuro Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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