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As mortes do ditador
A barbárie de regimes como o chileno ajudou a difundir na região uma repulsa duradoura a qualquer tipo de ditadura
O DITADOR Augusto Pinochet Ugarte morreu
no domingo, Dia Internacional dos Direitos
Humanos, aos 91 anos. O ditador
Pinochet morreu em julho de
2004, com a revelação de suas
contas secretas no exterior. O ditador Pinochet morreu em 5 de
outubro de 1988, quando a maioria dos chilenos sepultou o seu
regime em um plebiscito.
A perda do poder, o esfacelamento da liderança moral na extrema direita, o desaparecimento físico: a figura pública de Pinochet morreu três vezes.
Nos últimos 16 anos, afastado
de La Moneda, pôde testemunhar o "julgamento" que a história vem fazendo dos seus 16 anos
no poder. Da constrangedora
prisão em Londres aos processos
e detenções em seu país, do notável sucesso da democracia chilena à ascensão ao poder de uma
mulher molestada sob seu regime, o veredicto tem sido implacável com o legado de Pinochet.
A ditadura que começou em 11
de setembro de 1973, após a deposição do governo eleito de Salvador Allende, foi uma das mais
sanguinárias já instaladas na
América Latina. No período,
mais de 3.000 pessoas foram
mortas e 28 mil torturadas por
razões políticas. Dissidentes foram assassinados até no exterior.
Perpassou o golpe no Chile a
polarização ideológica da Guerra
Fria, exacerbada após o advento
de uma ditadura socialista em
Cuba. Nesse período em que, à
esquerda e à direita, a adesão à
democracia sucumbia diante de
projetos ditatoriais, militares arrebataram o poder em todas as
nações sul-americanas, à exceção de Venezuela e Colômbia.
Tomando proveito da radicalização de Allende rumo ao populismo de esquerda, ancorado na
repulsa que parte relevante da
sociedade e da elite chilenas nutria por aquela opção e apoiado
por Washington, Pinochet traiu
o presidente que o nomeara chefe do Exército e liderou o golpe.
Em paralelo ao programa de
extermínio da oposição e das liberdades civis deslanchado desde a primeira hora, a ditadura de
Pinochet foi o primeiro governo
do planeta a abraçar o experimentalismo ultraliberal. Antes
de Thatcher, no Reino Unido, e
Reagan, nos Estados Unidos, a
economia chilena dos anos 1970
lançou-se a aberturas radicais na
área comercial e financeira.
Porém a célebre estabilização
econômica do Chile, combinada
a altas taxas de crescimento, não
foi alcançada nesse primeiro
momento -que terminou em
gravíssima recessão, no início
dos anos 1980. Temperando reformas liberais com intervenções estatais, o outono do pinochetismo encontrou uma fórmula eficiente de lidar com as peculiaridades econômicas chilenas,
fórmula que tem sido mantida e
aperfeiçoada pelos governos democráticos que o sucederam.
No sucesso econômico, aliás,
Pinochet depositou suas esperanças de continuar ditador. Mas
os tempos haviam mudado. O socialismo soviético era mantido
em coma induzido e a democratização era inexorável na América Latina quando 55% dos chilenos disseram "não" ao general.
A barbárie que caracterizou regimes como o chileno e o argentino ajudou a incutir na sociedade latino-americana uma repulsa duradoura a qualquer ditadura -para o que contribuíram, de
resto, os escândalos recentes envolvendo Pinochet, ao revelar a
face corrupta de quem se vestia
de paladino da moralidade.
Ditadura, seja de direita, seja
de esquerda, nunca mais.
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