São Paulo, terça-feira, 12 de dezembro de 2006

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As mortes do ditador

A barbárie de regimes como o chileno ajudou a difundir na região uma repulsa duradoura a qualquer tipo de ditadura

O DITADOR Augusto Pinochet Ugarte morreu no domingo, Dia Internacional dos Direitos Humanos, aos 91 anos. O ditador Pinochet morreu em julho de 2004, com a revelação de suas contas secretas no exterior. O ditador Pinochet morreu em 5 de outubro de 1988, quando a maioria dos chilenos sepultou o seu regime em um plebiscito.
A perda do poder, o esfacelamento da liderança moral na extrema direita, o desaparecimento físico: a figura pública de Pinochet morreu três vezes.
Nos últimos 16 anos, afastado de La Moneda, pôde testemunhar o "julgamento" que a história vem fazendo dos seus 16 anos no poder. Da constrangedora prisão em Londres aos processos e detenções em seu país, do notável sucesso da democracia chilena à ascensão ao poder de uma mulher molestada sob seu regime, o veredicto tem sido implacável com o legado de Pinochet.
A ditadura que começou em 11 de setembro de 1973, após a deposição do governo eleito de Salvador Allende, foi uma das mais sanguinárias já instaladas na América Latina. No período, mais de 3.000 pessoas foram mortas e 28 mil torturadas por razões políticas. Dissidentes foram assassinados até no exterior.
Perpassou o golpe no Chile a polarização ideológica da Guerra Fria, exacerbada após o advento de uma ditadura socialista em Cuba. Nesse período em que, à esquerda e à direita, a adesão à democracia sucumbia diante de projetos ditatoriais, militares arrebataram o poder em todas as nações sul-americanas, à exceção de Venezuela e Colômbia.
Tomando proveito da radicalização de Allende rumo ao populismo de esquerda, ancorado na repulsa que parte relevante da sociedade e da elite chilenas nutria por aquela opção e apoiado por Washington, Pinochet traiu o presidente que o nomeara chefe do Exército e liderou o golpe.
Em paralelo ao programa de extermínio da oposição e das liberdades civis deslanchado desde a primeira hora, a ditadura de Pinochet foi o primeiro governo do planeta a abraçar o experimentalismo ultraliberal. Antes de Thatcher, no Reino Unido, e Reagan, nos Estados Unidos, a economia chilena dos anos 1970 lançou-se a aberturas radicais na área comercial e financeira.
Porém a célebre estabilização econômica do Chile, combinada a altas taxas de crescimento, não foi alcançada nesse primeiro momento -que terminou em gravíssima recessão, no início dos anos 1980. Temperando reformas liberais com intervenções estatais, o outono do pinochetismo encontrou uma fórmula eficiente de lidar com as peculiaridades econômicas chilenas, fórmula que tem sido mantida e aperfeiçoada pelos governos democráticos que o sucederam.
No sucesso econômico, aliás, Pinochet depositou suas esperanças de continuar ditador. Mas os tempos haviam mudado. O socialismo soviético era mantido em coma induzido e a democratização era inexorável na América Latina quando 55% dos chilenos disseram "não" ao general.
A barbárie que caracterizou regimes como o chileno e o argentino ajudou a incutir na sociedade latino-americana uma repulsa duradoura a qualquer ditadura -para o que contribuíram, de resto, os escândalos recentes envolvendo Pinochet, ao revelar a face corrupta de quem se vestia de paladino da moralidade.
Ditadura, seja de direita, seja de esquerda, nunca mais.


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