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DEMÉTRIO MAGNOLI
Estadunidenses
Eles eram americanos , foram
rebaixados a norte-americanos e
hoje não passam de estadunidenses.
Os arautos do antiamericanismo querem extirpar a América do nome dos
EUA, reduzindo-os à descrição anódina do seu sistema federal. A privação
do nome próprio equivale a uma eliminação simbólica do inimigo e funciona como prelúdio ideológico do
extermínio prático, que permanece
como ideal.
América, ao contrário do que pensam os antiamericanos, é o nome legítimo dos EUA. A Revolução Americana instaurou a primeira república
contemporânea e antecipou a Revolução Francesa. O princípio da igualdade política dos cidadãos, realizado na
América, contrastava com o Antigo
Regime, vigente na Europa das dinastias. A revolução bolivariana veio mais
tarde e tomou como seu modelo a república norte-americana. Os "Pais
Fundadores" enxergavam os EUA como portadores da missão de difundir
a liberdade. Esse conceito contém as
sementes do espírito cruzadista que
ainda anima a política externa americana, mas não deixa de refletir a grande ruptura com o mundo dos privilégios de sangue que inaugurou a nossa
era. De certo modo, somos todos americanos.
Uma das fontes do antiamericanismo é a degeneração do pensamento
de esquerda. Sob Stálin, a esquerda
abjurou a sua própria tradição cosmopolita e iluminista, aprendeu o catecismo nacionalista e decorou a cartilha
da rejeição à democracia. A Revolução
Americana foi lançada à lata de lixo da
história, enquanto se celebrava a
União Soviética, a China, o Camboja,
Cuba e as ditaduras nacionalistas do
Terceiro Mundo.
A outra fonte, mais recente, é a contraposição caricatural entre União Européia e EUA. Segundo o neoconservador americano Robert Kaplan, os
americanos "são de Marte", e os europeus, "de Vênus". Num registro paralelo, mas de sinal invertido, o filósofo
alemão Jurgen Habermas interpretou
a "constelação pós-nacional" européia como uma fortaleza da liberdade
e do direito erguida contra o belicismo
hobbesiano dos EUA.
O antiamericanismo é o argumento
dos embusteiros. A França justifica
seu apoio militar a ditadores africanos
pela missão de conter o avanço da influência anglo-saxônica. O Brasil explica sua operação de sustentação do
governo haitiano inventado pela Casa
Branca pela necessidade de ocupar
um espaço que seria preenchido por
tropas americanas!
Na prova de geografia da primeira
fase do vestibular da Fuvest, a banca
examinadora colou o selo da USP sobre um mapa colhido na internet que
representaria a "visão de mundo americana". Desse mapa vulgar, emerge a
imagem de uma potência militar
agressiva, bárbara e simplória, engajada unicamente na captura de recursos
naturais e econômicos espalhados pelo mundo. O antiamericanismo difunde-se incontrolavelmente nesses tempos sombrios da Doutrina Bush, fornecendo um discurso político para o
charlatanismo intelectual e uma ideologia substituta para os órfãos do "socialismo real".
Os EUA são uma "república imperial", dilacerada pela tensão entre as
instituições democráticas da república e a dinâmica expansionista do império. Essa tensão, que impôs a retirada do Vietnã, manifestou-se há pouco
na decisão da Corte Suprema de reconhecer o direito dos presos de Guantánamo à revisão judicial de seu estatuto
jurídico. É ela que começa a corroer as
engrenagens da rede internacional de
tortura construída pela Casa Branca
no quadro da "guerra ao terror". Os
antiamericanos são incapazes de entender isso.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
magnoli@ajato.com.br
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