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CARLOS HEITOR CONY
Converter os convertidos
RIO DE JANEIRO - Continuo achando sem sentido a campanha que está
sendo feita aqui no Rio contra a violência, baseada numa palavra de ordem: "Basta" -no momento, não sei
se colocaram um ponto de exclamação, mas, com exclamação ou sem
ela, a cruzada deve ser louvada pela
boa intenção, não por sua eficácia.
Aliás, as passeatas, os comícios,
concentrações religiosas, espetáculos
e eventos culturais e artísticos destinados a mobilizar a sociedade contra
a violência pecam por um simples detalhe: convertem os convertidos, convencem os já convencidos.
É conhecida e bastante citada
aquela história atribuída a Garrincha. Na concentração, o técnico deu
instruções para derrotar os russos,
explicou o que cada um deveria fazer, a vitória seria certa. Garrincha
perguntou se os russos sabiam daqueles planos e, se sabiam, se concordavam com eles.
Acontece o mesmo com a violência.
Todos concordamos que é urgente
dar um basta ao crime, organizado
ou não. E, aqui entre nós, os governos
são os primeiros a saber disso, não
por espírito público, mas por cálculo
eleitoral. Pelo menos aqui no Rio, todos os governadores, bons, maus ou
mais ou menos, foram derrotados
por não terem acabado ou diminuído a violência na cidade.
Como os russos da piada do Garrincha, os bandidos não tomam conhecimento do "Basta" e, se tomam,
pouca importância dão ao clamor da
sociedade. Quanto aos eventos, shows
do Zeca Pagodinho ou de alguma
banda do sucesso, é possível que até
mesmo os bandidos se empolguem
com os espetáculos, participando deles como qualquer um, dançando e
cantando, aplaudindo o "Basta" gritado nos intervalos, mas sem misturar diversão com ofício.
Findo o show, o comício, a missa, o
espetáculo teatral, voltam ao trabalho, que é preciso ganhar a vida, geralmente à custa da vida dos outros.
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