São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

Converter os convertidos

RIO DE JANEIRO - Continuo achando sem sentido a campanha que está sendo feita aqui no Rio contra a violência, baseada numa palavra de ordem: "Basta" -no momento, não sei se colocaram um ponto de exclamação, mas, com exclamação ou sem ela, a cruzada deve ser louvada pela boa intenção, não por sua eficácia.
Aliás, as passeatas, os comícios, concentrações religiosas, espetáculos e eventos culturais e artísticos destinados a mobilizar a sociedade contra a violência pecam por um simples detalhe: convertem os convertidos, convencem os já convencidos.
É conhecida e bastante citada aquela história atribuída a Garrincha. Na concentração, o técnico deu instruções para derrotar os russos, explicou o que cada um deveria fazer, a vitória seria certa. Garrincha perguntou se os russos sabiam daqueles planos e, se sabiam, se concordavam com eles.
Acontece o mesmo com a violência. Todos concordamos que é urgente dar um basta ao crime, organizado ou não. E, aqui entre nós, os governos são os primeiros a saber disso, não por espírito público, mas por cálculo eleitoral. Pelo menos aqui no Rio, todos os governadores, bons, maus ou mais ou menos, foram derrotados por não terem acabado ou diminuído a violência na cidade.
Como os russos da piada do Garrincha, os bandidos não tomam conhecimento do "Basta" e, se tomam, pouca importância dão ao clamor da sociedade. Quanto aos eventos, shows do Zeca Pagodinho ou de alguma banda do sucesso, é possível que até mesmo os bandidos se empolguem com os espetáculos, participando deles como qualquer um, dançando e cantando, aplaudindo o "Basta" gritado nos intervalos, mas sem misturar diversão com ofício.
Findo o show, o comício, a missa, o espetáculo teatral, voltam ao trabalho, que é preciso ganhar a vida, geralmente à custa da vida dos outros.


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