São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Colaborar sim; dividir, nunca

ANDRÉ LUIZ DI RISSIO

As atribuições do Ministério Público e da Polícia Judiciária, no tocante à apuração de ilícitos mediante inquérito policial, encontram-se perfeitamente delineadas na Constituição Federal, artigos 129 e 144 respectivamente (MP, 129, VIII; Polícia Civil, 144, parágrafo 4).
O colendo Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, já se manifestou sobre tal matéria, sem nunca obstar, como também nem a Polícia Civil quer, a harmoniosa colaboração com tão nobre instituição, como de outras de igual valor. No combate ao crime, as forças concorrentes devem ser combinadas e harmônicas, sob pena de, divididas, enfraquecerem-se perante o mal.


Por qual motivo dar ao Ministério Público aquela atribuição que, constitucionalmente, é exclusiva da Polícia Civil?


Isso ninguém de bom senso discute!
Todavia, subvertendo a disciplina constitucional, pretender enfraquecer uma das instituições, fazendo com que, à sua revelia ou conhecimento, outra passe a contar com a mesma atribuição, é dividir forças, com o nefasto efeito já mencionado. Eventuais falhas ocorridas em regular apuração, isto é, em inquérito policial, devem ser corrigidas em face das críticas que se lhes apresentem, em face dos malogros que possam resultar -e é a experiência do cotidiano que ajuda a aperfeiçoar a difícil tarefa de apurar a materialidade e a autoria de crimes- ou em face do juízo crítico da própria instituição, por meio de seus departamentos competentes, desde a escola de polícia, onde se aprende investigação, até a corregedoria, que apura a natureza de qualquer irregularidade.
Por qual motivo dar ao Ministério Público aquela atribuição que, constitucionalmente, é exclusiva da Polícia Civil? Seria, como já indagou o ilustre desembargador Adauto Suannes, na monografia "Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal", a idéia preconceituosa de que todos os policiais sejam corruptos? Se não for essa a fundamentação não explicitada, qual seria então? Se assim for -o que se argumenta por absurdo-, que se promova, tal como tem ocorrido, a devida apuração disciplinar. Hoje, a conhecida "via rápida" tem dado exemplos marcantes da Polícia Civil, em especial a de São Paulo, quanto aos cuidados da cúpula do órgão e do governo em manterem a instituição ao largo de tal chaga.
É a Polícia Civil órgão permanente, estável e, na medida de sua atribuição, apto a reclamar, de quem de direito, meios para manutenção de seus fins, inclusive -e tal ponto, embora delicado, não pode ser ignorado, sabendo o Ministério Público bem seus motivos, porque comuns- o de fazer-se reconhecer como de relevante importância, com exigência de nível universitário em vários de seus segmentos, para fins de retribuição de vencimentos compatíveis com tal atividade.
Tratar, repita-se, do assunto delicado, mas que não pode ser ignorado ou ser visto como tabu ou preconceito, do enfraquecimento da instituição com a repartição de suas atividades a quem, com o devido respeito, nem sequer preparo técnico ostenta em sua formação profissional, já que a técnica da investigação não faz parte de seu currículo -o que em absoluto o desmerece-, fere fundo, além da Constituição, o amor próprio e a auto-estima, atributos imateriais indispensáveis ao sucesso de qualquer atividade, muito especialmente àquela em que a própria vida é exposta dia a dia.
A pretensão hoje requisitada de dividir, sem dizer por que, deixando entrelinhas sujeitas às maliciosas interpretações, somente tende a enfraquecer o órgão com legitimidade constitucional para a presidência de inquéritos e, conseqüentemente, ainda que lutando estoicamente, a deixá-lo alvo do descrédito e em favor da marginalidade.
Há, se excetuado o próprio Ministério Público, uma unanimidade doutrinária sobre o que pretende certo segmento do MP, sendo oportuna a observação de Marco Antônio Azkoul, no "Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais" nº 89, de abril de 2000:
"A atividade policial não é uma atividade subordinada. A autoridade policial, quando baixa uma portaria, por exemplo instaurando um inquérito policial, está exercendo uma atividade jurisdicional ampla, vinculada ao primado da legalidade na fase criminal. A apuração das infrações penais é uma das atribuições exclusivas da Polícia Civil, que se encontra prevista no art. 144, par. 4º, da CF. Não há como, legitimamente, passar essa atribuição para o Ministério Público por meio de ato administrativo ou qualquer outra medida legislativa infraconstitucional... Não podendo haver interferência pelo Ministério Público, pois, mais do que inadmissível e ilegal, ela será suspeita, principalmente se igual oportunidade não for permitida à defesa, e que será parte na relação processual futura. Uma das partes não poderá ter o privilégio de orientar prova sem a participação da outra".
Deve, em resumo, o Ministério Público zelar, como sempre o faz, por sua nobre atividade, e com exclusividade: propor ação penal sem ultrapassar o poder de requisitar diligências investigatórias e instauração de inquéritos. Nenhum dispositivo legal autoriza-o a realizar investigações e instaurar inquérito policial.
Colaborar sim; dividir, nunca.

André Luiz Martins Di Rissio Barbosa, 38, mestre e doutor em direito constitucional pela PUC-SP, delegado de polícia do Departamento de Administração e Planejamento da Polícia Civil do Estado de São Paulo, é presidente da Associação dos Delegados de Polícia pela Democracia.


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