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MARCOS NOBRE
Novas formalidades
É COMUM ouvir que celulares
são instrumentos da nova
barbárie. Que expõem a vida
privada das pessoas em público,
que incomodam quem está em volta, que ninguém mais respeita ninguém e por aí vai.
Com internet e e-mail, a mesma
coisa. Pessoas escrevem o que lhes
passa pela cabeça, querem resposta
para ontem, ou, ao contrário, demoram demais para responder.
No fundo, o que está em causa
são as novas regras do contato social. A impressão que dá é que muita gente gostaria de voltar a velhas
formas de sociabilidade. Como a da
falecida formalidade da carta postal, que permitia um distanciamento, uma proteção tanto para
remetente como para destinatário.
Esse saudosismo supõe que o
contato humano padrão ainda seja
o do encontro face a face, quando
ele se tornou apenas um entre vários tipos de contato possíveis. Já
não tem primazia. E, sobretudo,
deixou de ter a importância substancial que já teve, como o lugar em
que duas almas e dois corpos verdadeiramente se mostram e se encontram. Interromper uma conversa para atender ao celular mostra isso muito claramente.
Isso é rude e sem educação? Do
ponto de vista das velhas formalidades, sim. Mas há também muitas
novas formalidades sendo pouco a
pouco estabelecidas. E que também servem de proteção e refúgio
para o indivíduo, que passa a ter
muito mais liberdade para escolher que tipo de contato quer estabelecer e em que momento.
Claro que há problemas graves
por resolver. Colocar no YouTube
montagens de vídeos enganosas e
difamatórias, fazer perfis falsos no
Facebook ou criar comunidades
caluniosas no Orkut não são certamente problemas menores. Mas há
outros que são mesmo estruturais.
A cultura virtual acirrou um elemento que já vem de longe, pelo
menos desde a década de 1960: o da
necessidade de expressar um "eu"
verdadeiro e autêntico. Ainda bem
que muitas pessoas no fundo não
se convencem de que suas expressões individuais sejam assim tão
sensacionais como nos filmes e na
propaganda. Só que é difícil lidar
com a frustração que isso traz. Porque o padrão de sucesso colocado é
inatingível para a maioria. E também porque essas novas formalidades exigem uma reciprocidade
militante.
Basta ver a solidão que esses contatos imediatos de segundo grau
prometem espantar. Dão a ilusão
de uma conexão permanente a
uma imensa rede de pessoas e de
possibilidades de contato. E essa
ilusão muitas vezes vicia. Exige
uma dedicação constante, quase
profissional. Algo como trabalhar o
tempo todo. E aí a nova formalidade já não protege mais ninguém.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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