São Paulo, terça-feira, 13 de janeiro de 2009

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MARCOS NOBRE

Novas formalidades

É COMUM ouvir que celulares são instrumentos da nova barbárie. Que expõem a vida privada das pessoas em público, que incomodam quem está em volta, que ninguém mais respeita ninguém e por aí vai.
Com internet e e-mail, a mesma coisa. Pessoas escrevem o que lhes passa pela cabeça, querem resposta para ontem, ou, ao contrário, demoram demais para responder.
No fundo, o que está em causa são as novas regras do contato social. A impressão que dá é que muita gente gostaria de voltar a velhas formas de sociabilidade. Como a da falecida formalidade da carta postal, que permitia um distanciamento, uma proteção tanto para remetente como para destinatário.
Esse saudosismo supõe que o contato humano padrão ainda seja o do encontro face a face, quando ele se tornou apenas um entre vários tipos de contato possíveis. Já não tem primazia. E, sobretudo, deixou de ter a importância substancial que já teve, como o lugar em que duas almas e dois corpos verdadeiramente se mostram e se encontram. Interromper uma conversa para atender ao celular mostra isso muito claramente.
Isso é rude e sem educação? Do ponto de vista das velhas formalidades, sim. Mas há também muitas novas formalidades sendo pouco a pouco estabelecidas. E que também servem de proteção e refúgio para o indivíduo, que passa a ter muito mais liberdade para escolher que tipo de contato quer estabelecer e em que momento.
Claro que há problemas graves por resolver. Colocar no YouTube montagens de vídeos enganosas e difamatórias, fazer perfis falsos no Facebook ou criar comunidades caluniosas no Orkut não são certamente problemas menores. Mas há outros que são mesmo estruturais.
A cultura virtual acirrou um elemento que já vem de longe, pelo menos desde a década de 1960: o da necessidade de expressar um "eu" verdadeiro e autêntico. Ainda bem que muitas pessoas no fundo não se convencem de que suas expressões individuais sejam assim tão sensacionais como nos filmes e na propaganda. Só que é difícil lidar com a frustração que isso traz. Porque o padrão de sucesso colocado é inatingível para a maioria. E também porque essas novas formalidades exigem uma reciprocidade militante.
Basta ver a solidão que esses contatos imediatos de segundo grau prometem espantar. Dão a ilusão de uma conexão permanente a uma imensa rede de pessoas e de possibilidades de contato. E essa ilusão muitas vezes vicia. Exige uma dedicação constante, quase profissional. Algo como trabalhar o tempo todo. E aí a nova formalidade já não protege mais ninguém.

nobre.a2@uol.com.br

MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.



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