|
Próximo Texto | Índice
REAL DESGOVERNADO
As dificuldades da economia brasileira atingiram um novo grau na escala da crise. Sob uma terceira onda
de ataque ao real, o país chega a uma
etapa que, para vários analistas, configura uma crise de governabilidade.
O primeiro abalo sofrido pela âncora cambial foi no início de 95, quando, após a crise mexicana, houve
uma primeira sangria de reservas.
O remédio então utilizado para recompor as bases da política econômica foi a elevação dos juros e a renovação da aposta na correção apenas
gradual da taxa de câmbio. Aquela
crise desdobrou-se numa pequena
recessão, acompanhada por uma
grave crise bancária. O ajuste fiscal,
já então necessário, ficaria adiado.
Num ambiente internacional favorável, a alta dos juros surtiu efeito e o
governo voltou a acumular reservas,
ainda que a dívida pública passasse a
crescer de modo exponencial. Mas a
âncora cambial estava salva.
Veio, em 97, a crise asiática. Novamente, a alta dos juros foi o antídoto.
Entretanto, elevar as taxas já não era
suficiente. O governo surpreendeu e
apresentou novas medidas de ajuste
fiscal. Salvou o real e reforçou a
aposta na âncora cambial. O Brasil
escapou de ser a "bola da vez".
A segunda onda de ataque viria só
no ano passado, após a crise russa.
Dois aspectos tornaram-se evidentes. Primeiro, o governo não cumpriu o prometido no célebre "pacote
51", do final de 97. E os juros perderam eficácia como linha de resistência aos ataques contra a moeda.
Os investidores passaram a notar
cada vez mais os efeitos da política
de juros altos. Passaram a pesar a
acumulação de dívida pública, a fragilização de empresas, a inadimplência e a queda na arrecadação.
Sem gerar divisas via comércio exterior, em face de um mercado de capitais globalmente batendo em retirada, a defesa da política cambial com
juros altos ficou por um fio.
Essa segunda onda de ataque ao
real, como se sabe, falhou apenas
porque o governo dos EUA, em conjunto com o FMI, interveio. A fuga de
capitais foi enfrentada com uma mobilização inédita de recursos garantidos por governos e organismos multilaterais: US$ 41,5 bilhões.
A condição para a volta da confiança dos investidores era que o governo
afinal fizesse o ajuste fiscal. Juros altos seriam toleráveis, por algum tempo, se houvesse corte de gastos e aumento na arrecadação.
Monitorado pelo FMI, o governo
apresentou sua proposta de ajuste
fiscal. Mas as dificuldades que tem
enfrentado para viabilizá-la produziram nova crise de confiança.
O xadrez político não se resume às
agruras do pacote fiscal. Há dificuldades políticas internas à própria base governista. As disputas por espaço, já visando à sucessão, começaram cedo. A reforma ministerial parece não ter dissolvido ressentimentos nos maiores partidos. Faltam lideranças vigorosas no Congresso.
Iniciou-se um movimento mais intenso na sociedade civil contra a recessão e os juros altos, a nova safra
de governadores deu margem a uma
oposição mais forte e o desemprego
explosivo, com toda a sua carga de
desarranjo social, mina as bases políticas sem as quais ajustes dolorosos, como o esperado pelos credores
externos, ficam ainda mais difíceis.
A deterioração do ambiente político
não passou despercebida aos investidores externos. A insurgência do governador de Minas Gerais foi mais
um sinal de desgoverno no país.
A fuga de capitais voltou a se acentuar com a perda de confiança na capacidade de o governo defender o
real. O ataque à moeda resulta, pois,
do diagnóstico de que o país atravessa uma crise de governabilidade.
Resta saber se uma mudança mais
ousada da política econômica, contemplando a possibilidade de uma
desvalorização mais agressiva da
moeda, seria capaz de restaurar a
credibilidade perdida.
Exemplos de desvalorização descontrolada não faltam, da Tailândia
ao México. Os riscos são enormes.
Mas aumenta o peso dos que se perguntam se vale a pena correr tais riscos, com o apoio do FMI, numa economia em recessão com deflação,
cujo governo não tem uma dívida pública em dólares elevada demais.
A recessão se aprofundaria? Essa já
é uma hipótese no horizonte. Ao menos seria possível aliviar a pressão financeira, uma vez desarmada a política de defesa do câmbio irrealista
com base em juros insuportáveis.
Entretanto, uma nova política de
câmbio é em si apenas parte da crise
de confiança. A governabilidade depende do ajuste fiscal. Apenas na
medida em que o presidente Fernando Henrique recobrar a capacidade
de articulação política será possível
apostar na superação da crise.
Próximo Texto: Editorial: SEXO, DROGAS E HEDONISMO
Índice
|