São Paulo, Quarta-feira, 13 de Janeiro de 1999
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Itamar, Jamanta e os russos


Os mercados, às vezes, são míopes, como o foram em relação ao "programa de estabilização" da Rússia


PAULO RABELLO DE CASTRO

Pensando bem, quais as semelhanças entre o governador Itamar, o personagem Jamanta, da novela "Torre de Babel", e os russos que provocaram a corrida financeira de agosto último? Os três parecem bobos, mas não são; os três podem bem ter explodido alguma coisa; os três vão ficar vivos até o final da novela. As semelhanças param por aí. Mas são suficientes para traçar um paralelo entre três comportamentos aparentemente desatinados que, no entanto, ganham significado nos planos histórico e político.
Prejulga-se o ex-presidente Itamar, por ser inadimplente em relação a uma dívida muito bem negociada, sobre a qual incidem juros de 7,5% ao ano. Que empresário brasileiro não gostaria de renegociar seus compromissos financeiros em termos parecidos? A julgar pelas aparências, o governador mineiro preferiu "repudiar" essa vantagem. Por quê?
Se bobo ele não é, a explicação estaria em outro lugar, fora do campo estritamente financeiro. Itamar age como governador. Atua politicamente. Por isso, os classificadores de risco de crédito, quando analisam dívidas de entes públicos soberanos (ou "subsoberanos"), fazem duas perguntas. O emissor da dívida tem capacidade de pagar? O emissor tem vontade de pagar? O aspecto volitivo -"a vontade de pagar"- dos emissores soberanos tem uma inequívoca importância na classificação de um risco de crédito. O governo de Minas talvez pudesse pagar. Mas a vontade política é outra, é diferente.
Itamar quer liderar a reação contra o modelo dos juros altos, uma política que é apresentada todos os dias no noticiário como o "remédio amargo, porém curativo" contra a falta de credibilidade na economia.
Em abril de 1993, apresentei ao então presidente Itamar Franco um conjunto de propostas concebidas por um grupo de juristas e economistas para acelerar a queda da inflação e resgatar o desenvolvimento com juros moderados. O presidente reuniu, num auditório de Brasília, todos os escalões superiores da sua equipe econômica para ouvir as propostas da Academia Internacional de Direito e Economia. Mostrei (pelo grupo) a Itamar e à sua equipe a necessidade então premente (premente e urgente desde 1993!) de: (a) conduzir um amplo e irrestrito encontro de contas dentro do setor público; (b) "securitizar" os créditos futuros dos Estados, em termos de sua participação no IPI e IR, antecipando-lhes moeda (escritural) para saldar suas dívidas; (c) deixar que o próprio mercado assimilasse parte substancial dessa renegociação; (d) uma vez liberado o governo federal do pagamento do Fundo de Participação, propor-se-ia uma reforma tributária corajosa, para beneficiar a produção nacional e o emprego; (e) propor e votar uma "Lei de Dívida Pública" (regulamentando o art. 163 da Constituição), que só agora apareceu, com o nome de "lei de responsabilidade fiscal", e para a qual a Academia já fornecera texto de anteprojeto ao então presidente; (f) votar um projeto de lei de um Banco Central autônomo, criando-se, paralelamente, uma Superintendência de Instituições Financeiras para lidar com a supervisão bancária, prevenindo e antecipando os problemas que surgiriam com a estabilização da moeda -o texto do projeto também foi entregue, em mãos, a Itamar; (g) acelerar as reformas estruturais da Previdência e do Trabalho, mediante privatizações populares em que o grande público teria preferência na compra das estatais.
Itamar gostou dessas idéias e propostas, por evitar o modelo financista dos juros altos que ele, declaradamente, detestava. Contudo a resistência apresentada pelos escalões burocráticos do seu governo impediu maiores avanços.
Exatos três anos depois, em 96, fui convocado ao Planalto para falar com o presidente Fernando Henrique. Lembrei-lhe de todos os projetos da Academia e levei para ele aquele material para eventual aproveitamento imediato. Meu argumento era: "O Real terminou", enquanto plano bem-sucedido de estabilizar a moeda. "É preciso lançar o Real 2000, para reformar as instituições econômicas e gerar empregos com melhor distribuição de renda." Passou em branco.
Talvez o episódio da moratória mineira não devesse deixar tão perplexos os mercados financeiros. São visíveis, como eram visíveis desde a partida do Real, as limitações de uma política de altos juros que não faz o dever de casa de controlar rigidamente os gastos nem promove reformas boas para os cidadãos e para os empresários da produção. Quem tinha ilusão de que estaríamos retomando a estabilidade financeira antes da moratória mineira? Os mercados, às vezes, são míopes, como o foram em relação ao "programa de estabilização" da Rússia.
Moratórias de entes públicos são manifestações eminentemente políticas. Como tal devem ser entendidas. Itamar não tem nada de bobo. Nem o Jamanta da novela terá explodido o shopping por acaso. A questão é saber quem tem alternativas concretas à explosão dos juros sobre a economia nacional. O resto é remoção de escombros ou, simplesmente, mais novela.


Paulo Rabello de Castro, 49, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Foi presidente da Academia Internacional de Direito e Economia.



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