São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

Próximo Texto | Índice

DISPUTA NA CÂMARA

A acirrada disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, cuja eleição acontece amanhã, conferiu ao processo de escolha do parlamentar que comandará a Mesa da Casa uma visibilidade possivelmente inédita. Até mesmo um debate entre os candidatos, nos moldes dos organizados durante as campanhas eleitorais para o Executivo, aconteceu durante a semana.
Tamanha projeção deve-se muito ao fato de que dois dos principais postulantes são filiados ao Partido dos Trabalhadores, circunstância que expõe uma cisão interna e alimenta especulações sobre os desdobramentos da eleição. Como se sabe, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) foi o nome indicado pela bancada partidária com apoio do Planalto, enquanto Virgílio Guimarães (MG) apresentou-se como candidato alternativo. A candidatura de Guimarães, que chegou a ser o preferido de João Paulo Cunha, atual presidente da Câmara, é em grande parte expressão das insatisfações fisiológicas da base governista. O fisiologismo, aliás, tem sido uma das características das campanhas e deverá ser um fator decisivo na votação.
Embora contrariada com a dissidência, a cúpula petista preferiu cautelosamente evitar ameaças a Virgílio, mesmo porque não está afastada a possibilidade de que ele vença a eleição. Essa hipótese -ou a improvável derrota de Greenhalgh para outro candidato- representaria uma derrota política para o comando petista e para o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva num período em que o governo atua pesadamente para consolidar sua base de apoio no Legislativo e para montar seus "palanques" com vistas às eleições de 2006.
No que tange à realidade da Câmara, a disputa vai servindo para chamar a atenção para temas que, embora conhecidos, são com freqüência relegados a segundo plano -como os gastos exorbitantes da Casa com sua estrutura administrativa e com os benefícios e salários pagos aos parlamentares.
Outro aspecto relevante reavivado pelos debates é o funcionamento das diversas comissões da Câmara, a começar pela mais polêmica delas, a responsável pelo Orçamento. Foco histórico de irregularidades, os sinais são de que ali continua a prosperar a troca de favores e benesses, em sistemático desrespeito à ética e aos princípios republicanos. Verbas são disputadas, oferecidas e negadas de maneira nem sempre clara e legítima, dando margem a suspeitas de prática de chantagens e corrupção. Ao que parece, os efeitos do célebre escândalo dos "anões do Orçamento", que veio à luz na década passada, já se dissiparam, e os métodos da comissão precisam ser urgentemente submetidos a um regime de mais controle e transparência.
O fato de que essas questões tenham sido debatidas publicamente é positivo, mas é difícil deixar de observar com ceticismo as perspectivas de mudança. Há na Câmara uma rede de cumplicidade e dependência mútua que, ao lado de uma série de mecanismos internos de poder, diminui as chances de que reformulações significativas ocorram.
A experiência já demonstrou que são as pressões da sociedade, muito mais do que promessas de candidatos que precisam de seus pares para conquistar postos de comando, o principal indutor de mudanças no comportamento do Legislativo.


Próximo Texto: Editoriais: O FIM DA "ERA ROOSEVELT"

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.