São Paulo, terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

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O dólar e o PIB

Polêmica sobre impacto de importações na economia precisa levar em conta capacidade ociosa da indústria local

INSTAUROU-SE um debate interessante acerca dos efeitos do câmbio valorizado no Produto Interno Bruto. A polêmica recai sobre os números do ano passado, mas seu foco está voltado para o tipo de resposta que a política econômica deve oferecer a esse fenômeno hoje.
Está em questão o diagnóstico de que as importações, favorecidas pela baixa cotação do dólar, funcionaram como um freio à atividade doméstica. Um grupo de economistas acredita que as compras de fornecedores estrangeiros, pelo contrário, beneficiaram a economia brasileira. Elas deram esteio, argumentam, ao crescimento do consumo sem pressões inflacionárias.
Desde logo suprimam-se os argumentos contábeis da discussão. Por convenção, as importações sempre entram com sinal negativo no cálculo do PIB. Do mesmo modo o produto interno, pela ótica da demanda, será sempre a soma de quatro contas estanques (o consumo das famílias, o do governo, as despesas com investimentos e o saldo comercial). Quando a fatia de uma dessas contas se expande, a correspondente às outras três necessariamente diminui.
Por mera lógica contábil, o saldo comercial, por exemplo, vem diminuindo de tamanho no PIB brasileiro, enquanto o consumo das famílias vem aumentando. A questão relevante, no entanto, não é saber como estão se dividindo as partes do bolo. É indagar se o próprio bolo (a quantidade bruta de bens e serviços produzidos no Brasil) poderia ter crescido mais sob outro arranjo macroeconômico.
Os que questionam a hipótese do desvio do PIB para o exterior, portanto, deveriam buscar provas de que as importações suprem a parte da demanda doméstica a que a indústria local não tem condições de atender. Precisariam mostrar que os setores fabris que mais sofrem concorrência estrangeira estão com capacidade produtiva esgotada, impedidos de ampliar a oferta de suas mercadorias. Nesse caso, as importações terão sido benéficas para o PIB, permitindo expansão maior do consumo sem inflação.
Há evidências, no entanto, de que as importações crescem nos setores em que a indústria instalada no Brasil se retrai. A capacidade ociosa das fábricas locais nesses segmentos aumenta -poderiam, portanto, ampliar a oferta de seus produtos rapidamente caso houvesse demanda.
A produção de calçados e artigos de couro, por exemplo, amargou quedas de 3,2% em 2005 e 2,7% em 2006. A importação desses itens aumentou 11,7% no ano passado. No setor de vestuário, contra retração na produção local de 5% em 2005 e 5% em 2006, houve aumento de importações de 24% em 2006.
Os dados do IBGE acerca da variação do PIB no ano passado, a serem divulgados no dia 28, vão subsidiar a polêmica com mais e melhores estatísticas. Dificilmente, no entanto, vão alterar a convicção de que o câmbio valorizado favoreceu a troca de fornecedores locais por estrangeiros -e, assim, contribuiu para uma expansão da economia em 2006 menor do que se a cotação do dólar estivesse mais alta.

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