São Paulo, quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Uma folga para São Pedro

RONALDO FABRÍCIO

Parece óbvio que o Brasil precisa redesenhar sua matriz energética, o que torna a conclusão de Angra 3 uma necessidade urgente

É INJUSTIFICÁVEL achar que o Brasil vai ser para sempre dependente de São Pedro e viver pavores cíclicos de um novo apagão, como ocorre mais uma vez agora.
Nossa excessiva dependência da energia hidrelétrica não é obra do santo, mas resultado de uma antiga opção estratégica que só agora começa a ser mudada, pois está impondo ao país perda de tempo, de recursos e de oportunidades de desenvolvimento.
Se antes podíamos contar com grandes reservatórios em hidrelétricas que garantiam o fornecimento de "combustível" em períodos secos, hoje isso é impossível. Os grandes reservatórios perderam capacidade por assoreamentos devidos aos desmatamentos e pelo uso de suas águas para outras finalidades também importantes, como abastecimento e irrigação.
As novas hidrelétricas já não contam mais com tamanha capacidade de armazenamento, por problemas ambientais. Não se trata de substituir simplesmente uma fonte por outra, mas de explorar complementarmente todas as boas alternativas disponíveis dos pontos de vista econômico e ambiental. A energia nuclear é uma delas, como já constataram os países mais avançados.
O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo. São 309 mil toneladas, que equivalem em energia ao dobro das reservas de gás bolivianas ou quase 240 anos de operação do gasoduto Bolívia-Brasil, que tem capacidade para transportar 25 milhões de metros cúbicos por dia. Apesar disso, a energia nuclear representa apenas 2% da matriz brasileira, centrada na fonte hidráulica em quase 90%. A geração nuclear nos Estados Unidos, França e Inglaterra é maior hoje do que toda a energia produzida no Brasil. E a previsão é de que cresça no mundo consideravelmente até 2030.
Não faltam argumentos para que o Brasil também tome este caminho.
Do ponto de vista ambiental, as usinas nucleares são defendidas hoje até por ecologistas que antes as rejeitavam, pois comprovaram ser uma alternativa às emissões provocadas pelas centrais térmicas e à necessidade de alagamento de grandes áreas para a construção de hidrelétricas. Além de não emitirem gases causadores do efeito estufa, elas armazenam seus resíduos de forma segura, isolados do público e do ambiente.
Economicamente, a opção nuclear também é vantajosa em relação a outras energias alternativas, seja pelo rendimento, seja pelo custo de geração e até mesmo pela tarifa, que se tornou competitiva no caso do Brasil.
Tomemos o exemplo de Angra 3, projeto estratégico cuja retomada foi anunciada em 2007 sem que até agora tenha se concretizado.
A central nuclear de 1.350 megawatts pode gerar 10,9 milhões de megawatts-hora/ano, suficientes para abastecer um terço da demanda energética do Estado do Rio de Janeiro.
Uma usina eólica com a mesma capacidade, por exemplo, geraria menos da metade dessa energia a um preço bem superior e ocuparia uma área muito maior do que o quilômetro quadrado onde se concentra todo o complexo de Angra.
A geração nuclear se tornou competitiva também em se tratando de tarifa. O Brasil tem déficit de 4.000 MW e não pode confiar apenas em projetos hidrelétricos disponíveis para atender essa demanda. No último leilão realizado pelo governo, em outubro passado, a energia contratada de térmicas foi negociada a um preço médio de R$ 130 o megawatt-hora, considerando que estas usinas vão operar apenas 5% do tempo. Se for necessário operar por períodos maiores, o custo do combustível será rateado entre todos os consumidores.
Este valor é muito próximo dos R$ 140 a serem cobrados por Angra 3. Parece óbvio, portanto, que o Brasil precisa redesenhar sua matriz energética, e nesse redesenho há um bom espaço para a geração nuclear, o que torna a conclusão de Angra 3 uma necessidade estratégica e urgente. A não ser que nos conformemos com a reza coletiva a São Pedro como alternativa avançada de política energética.


RONALDO FABRÍCIO, 74, engenheiro civil, é vice-presidente executivo da Abdan (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares). Foi presidente de Furnas e da Eletronuclear e diretor de Engenharia da Eletrobrás.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
José Dirceu: Os sonhos estão mais vivos do que nunca

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.