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Uma folga para São Pedro
RONALDO FABRÍCIO
Parece óbvio que o Brasil precisa redesenhar sua matriz energética, o que torna a conclusão de Angra 3 uma necessidade urgente
É INJUSTIFICÁVEL achar que o
Brasil vai ser para sempre dependente de São Pedro e viver
pavores cíclicos de um novo apagão,
como ocorre mais uma vez agora.
Nossa excessiva dependência da
energia hidrelétrica não é obra do
santo, mas resultado de uma antiga
opção estratégica que só agora começa a ser mudada, pois está impondo ao
país perda de tempo, de recursos e de
oportunidades de desenvolvimento.
Se antes podíamos contar com
grandes reservatórios em hidrelétricas que garantiam o fornecimento de
"combustível" em períodos secos, hoje isso é impossível. Os grandes reservatórios perderam capacidade por assoreamentos devidos aos desmatamentos e pelo uso de suas águas para
outras finalidades também importantes, como abastecimento e irrigação.
As novas hidrelétricas já não contam
mais com tamanha capacidade de armazenamento, por problemas ambientais. Não se trata de substituir
simplesmente uma fonte por outra,
mas de explorar complementarmente todas as boas alternativas disponíveis dos pontos de vista econômico e
ambiental. A energia nuclear é uma
delas, como já constataram os países
mais avançados.
O Brasil tem a sexta maior reserva
de urânio do mundo. São 309 mil toneladas, que equivalem em energia ao
dobro das reservas de gás bolivianas
ou quase 240 anos de operação do gasoduto Bolívia-Brasil, que tem capacidade para transportar 25 milhões
de metros cúbicos por dia. Apesar disso, a energia nuclear representa apenas 2% da matriz brasileira, centrada
na fonte hidráulica em quase 90%. A
geração nuclear nos Estados Unidos,
França e Inglaterra é maior hoje do
que toda a energia produzida no Brasil. E a previsão é de que cresça no
mundo consideravelmente até 2030.
Não faltam argumentos para que o
Brasil também tome este caminho.
Do ponto de vista ambiental, as usinas nucleares são defendidas hoje até
por ecologistas que antes as rejeitavam, pois comprovaram ser uma alternativa às emissões provocadas pelas centrais térmicas e à necessidade
de alagamento de grandes áreas para
a construção de hidrelétricas. Além
de não emitirem gases causadores do
efeito estufa, elas armazenam seus resíduos de forma segura, isolados do
público e do ambiente.
Economicamente, a opção nuclear
também é vantajosa em relação a outras energias alternativas, seja pelo
rendimento, seja pelo custo de geração e até mesmo pela tarifa, que se
tornou competitiva no caso do Brasil.
Tomemos o exemplo de Angra 3, projeto estratégico cuja retomada foi
anunciada em 2007 sem que até agora
tenha se concretizado.
A central nuclear de 1.350 megawatts pode gerar 10,9 milhões de megawatts-hora/ano, suficientes para
abastecer um terço da demanda energética do Estado do Rio de Janeiro.
Uma usina eólica com a mesma capacidade, por exemplo, geraria menos
da metade dessa energia a um preço
bem superior e ocuparia uma área
muito maior do que o quilômetro
quadrado onde se concentra todo o
complexo de Angra.
A geração nuclear se tornou competitiva também em se tratando de
tarifa. O Brasil tem déficit de 4.000
MW e não pode confiar apenas em
projetos hidrelétricos disponíveis para atender essa demanda. No último
leilão realizado pelo governo, em outubro passado, a energia contratada
de térmicas foi negociada a um preço
médio de R$ 130 o megawatt-hora,
considerando que estas usinas vão
operar apenas 5% do tempo. Se for
necessário operar por períodos maiores, o custo do combustível será rateado entre todos os consumidores.
Este
valor é muito próximo dos R$ 140 a
serem cobrados por Angra 3.
Parece óbvio, portanto, que o Brasil
precisa redesenhar sua matriz energética, e nesse redesenho há um bom
espaço para a geração nuclear, o que
torna a conclusão de Angra 3 uma necessidade estratégica e urgente. A não
ser que nos conformemos com a reza
coletiva a São Pedro como alternativa
avançada de política energética.
RONALDO FABRÍCIO, 74, engenheiro civil, é vice-presidente executivo da Abdan (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares). Foi presidente de Furnas e da Eletronuclear e diretor de Engenharia da
Eletrobrás.
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