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TENDÊNCIAS/DEBATES
A política e o Supremo Tribunal Federal
HENRIQUE NELSON CALANDRA
Eliminar garantias constitucionais duramente alcançadas, como a vitaliciedade, representa enorme risco
EM SEGUIDAS manifestações durante o recesso parlamentar, o
deputado federal Flávio Dino
(PC do B-MA) afirmou que encaminhará proposta de emenda constitucional com o objetivo de estabelecer
mandato para os ministros do Supremo Tribunal Federal. O prazo seria de
11 anos, sem direito a reeleição. Também mudaria a forma de ascensão:
além do presidente da República, Senado e Câmara iriam nomear os
membros da Suprema Corte.
O parlamentar argumenta que o
STF "tem se tornado órgão político" e
"tem feito normas, por meio das súmulas vinculantes". Afirma, ainda,
que "tem que haver uma alternância
para quem exerce tarefa política".
O ex-magistrado afirma que vários
países adotam o modelo proposto e
lembra que o Supremo Tribunal da
Alemanha fixa o prazo de 12 anos para
cada um dos seus oito ministros.
Entre nós já existe um limitador
natural, que é a idade de 70 anos, o
que não existe no Legislativo, no qual
a possibilidade de permanência é ilimitada. Importante lembrar que
emenda constitucional com o conteúdo preconizado estaria fadada a trazer para a sociedade mais uma norma
inconstitucional, na dinâmica prevista no artigo 60, parágrafo 4º, incisos
III e IV, da Constituição Federal.
A iniciativa conta com apoio de setores importantes no cenário jurídico, como o presidente da OAB, Cezar
Britto. O presidente da Associação
dos Magistrados Brasileiros chegou a
se manifestar sobre o tema, com base
em pesquisa realizada pela entidade.
Porém, sem debate mais profundo
com a classe.
Não obstante os argumentos utilizados, a ideia de um Supremo atrelado apenas a injunções políticas causa
profundo receio. Eliminar garantias
constitucionais duramente alcançadas, como a vitaliciedade, é enorme
risco -basta olhar nossos vizinhos,
onde tais instrumentos são utilizados
para aniquilar o Estado de Direito.
O sistema de repartição dos Poderes existente na Constituição se assenta na necessidade de um Judiciário verdadeiramente forte e independente. A vitaliciedade é uma das poucas garantias efetivas do magistrado
para que ele possa julgar com imparcialidade plena, muitas vezes contrariando os detentores de poderes político e econômico.
Evidentemente o espírito do constituinte foi o de trazer equilíbrio ao
Estado democrático de Direito. Delineou características distintas aos
membros de cada um dos Poderes.
Assegurou, por exemplo, imunidades aos parlamentares que não se estendem aos ocupantes dos outros Poderes. Também o Executivo possui
funções que lhe são intrínsecas. É
preocupante que uma alteração tão
substancial, que certamente diminuirá a independência dos julgadores, seja aventada sem profunda análise das
perigosas consequências.
A atuação política apontada pelo
parlamentar como suporte à pretendida alteração constitucional não
possui o alcance que se pretende dar.
O ministro do STF não exerce a
imaginada atividade legislativa, nem
mesmo quando cria súmula vinculante. A interpretação das leis e normas
constitucionais e a correlata prolação
de decisões de grande repercussão é
tarefa que exige predicados próprios
dos magistrados, especialmente dos
julgadores da Corte Suprema.
A afirmação de que o sistema é adotado na Alemanha não significa necessariamente que seja o melhor modelo para o Brasil. São países que
apresentam características distintas,
como estabilidade político-institucional, dimensões territoriais e aspectos culturais. Poder-se-ia apresentar como réplica a forma de composição da Suprema Corte dos EUA,
que em muito se assemelha ao perfil
da nossa. Entretanto, os contornos
dados pela Constituição brasileira
possuem elementos próprios, oriundos das aspirações de nosso povo e
captados pelo legislador constituinte
de 1988 após profundos debates.
Em verdade, o caminho deve ser
oposto ao sugerido, pois, como consequência, poderá vir a pretensão de
abolição da vitaliciedade para o restante da magistratura, sonho de todos
os que almejam poderes totalitários.
É preciso lutar para que os Poderes
se fortaleçam. Seria altamente produtivo para a sociedade e para o Estado
democrático de Direito que ocorresse
um debate amplo para buscar soluções sobre como evitar, por exemplo,
a edição desenfreada de medidas provisórias, um problema que muitas vezes tira do Legislativo uma atividade
que lhe é primordial.
No Judiciário, é imperioso criar
mecanismos de combate à abominável morosidade na tramitação dos feitos. Sem atacar as verdadeiras causas
dos problemas, persistirão as apontadas discrepâncias entre os Poderes e
as correlatas dificuldades para o exercício pleno de suas funções.
HENRIQUE NELSON CALANDRA é desembargador do
Tribunal de Justiça de São Paulo e presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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