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São Paulo, sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Só o cadastro positivo pode reduzir o "spread"

FRANCISCO VALIM

Para deixar de ter o maior "spread" do mundo, é preciso que o Brasil tenha melhor qualidade no crédito

MUITO TEM se falado sobre o "spread" bancário (diferença entre a taxa de captação dos bancos e o que eles cobram de quem toma crédito) e os juros elevados na ponta, para empresas e consumidores. A inadimplência em alta alimenta essa polêmica, pois ela representa 37,3% do "spread", sendo o componente de maior peso formação das taxas de juros.
A composição do "spread" decorre também de um amplo conjunto de políticas públicas: monetária, tributária, legal e institucional. A complexidade dessa combinação há muito não tem trabalhado a favor do crédito, ou seja, dos investimentos, do consumo, da produção, do emprego e da renda. A inadimplência é o único item operacional do "spread" de caráter exclusivamente privado, que pode ser rapidamente melhorado, para contribuir com a queda nas taxas de juros.
O cadastro positivo, em trâmite na Câmara dos Deputados, dá a oportunidade de reverter o quadro de crédito caro. Com ele, o sistema financeiro e todos os outros concedentes de crédito passam a ter acesso às informações comportamentais dos clientes. Com o cadastro positivo, quem financia tem suas decisões agilizadas, sua base de clientes ampliada, acréscimo da lucratividade e melhor competitividade. Para o consumidor, o cadastro positivo encoraja a manter maior responsabilidade financeira na construção de um bom histórico de crédito, estimulando e valorizando os bons pagadores.
O cadastro positivo promove o crescimento do crédito sem motivar o superendividamento, já que as transações são mais transparentes e o comportamento financeiro do tomador se torna mais conhecido. Para o governo, aumenta a estabilidade do setor financeiro e cria condições para um crescimento mais rápido do mercado de crédito. A grande diferença entre o cadastro positivo e o negativo é que o primeiro mostra as reais condições que o demandante de crédito tem para honrar suas dívidas. Hoje, no Brasil, socializa-se a inadimplência, cobrando aritmeticamente de toda a sociedade o risco de crédito dos maus pagadores, em vez de utilizar ferramentas para o dimensionamento do risco individual. Tendo o risco individual menor, o risco coletivo também deve cair.
Os mercados sem cadastro positivo são caracterizados pela assimetria de informações, prejudicando a avaliação do risco de crédito. Na situação que se encontram, o processo é mais oneroso para ambas as partes: concedentes e tomadores de crédito.
De acordo com os especialistas em sistemas de informações para crédito John Barron, professor da Purdue University, e Michael Staten, professor da Georgetown University, ambas nos EUA, com informações positivas e compartilhadas há um acréscimo de 90% no número de pessoas que solicitam crédito e são atendidas, e a taxa de inadimplência cai praticamente pela metade. Segundo Marco Pagano, da Universidade de Nápoles Federico 2º, em países que têm informação positiva compartilhada, o risco de crédito cai entre um terço e metade.
Para ilustrar, Hong Kong tem uma das economias mais dinâmicas do mundo. O cadastro positivo foi implantado em 2003 e, dois anos depois, registrou aumento de 6% nas pessoas que obtiveram crédito e de 3% nos novos ofertantes de crédito fora do sistema bancário. Houve um aperfeiçoamento no crédito no médio prazo.
Hoje, o Brasil e a China estão no grupo das 12 maiores economias do mundo que não possuem cadastro positivo. A brasileira se apoia na condição de decisão de crédito exclusivamente pela análise das informações negativas, enquanto a China ainda viabiliza seu sistema cadastral e de informações para negócios. É importante destacar que a atual crise global de crédito tem origem no cenário de grande liquidez, com relaxamento nas políticas de concessão de recursos e, portanto, na subestimação do risco em troca de um retorno financeiro maior que os juros reduzidos praticados nos países desenvolvidos -é o exemplo das hipotecas "subprime" nos EUA. Não houve problema na estrutura das ferramentas de crédito, houve, sim, uma estratégia errada que comprometeu a qualidade do crédito nos principais centros financeiros mundiais.
Para o Brasil, a crise internacional pode ser uma oportunidade para corrigir desvios estruturais, inclusive nas metodologias de crédito. Para deixar de ter o maior "spread" do mundo, é preciso que tenha melhor qualidade no crédito, lembrando que a inadimplência representa um custo social e, como tal, precisa ser reduzido.

FRANCISCO VALIM , 46, administrador de empresas, é presidente da Experian América Latina e da Serasa Experian.

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