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TENDÊNCIAS/DEBATES
Só o cadastro positivo pode reduzir o "spread"
FRANCISCO VALIM
Para deixar de ter o maior "spread" do mundo, é preciso que o Brasil tenha melhor qualidade no crédito
MUITO TEM se falado sobre o
"spread" bancário (diferença entre a taxa de captação
dos bancos e o que eles cobram de
quem toma crédito) e os juros elevados na ponta, para empresas e consumidores. A inadimplência em alta alimenta essa polêmica, pois ela representa 37,3% do "spread", sendo o
componente de maior peso formação
das taxas de juros.
A composição do "spread" decorre
também de um amplo conjunto de
políticas públicas: monetária, tributária, legal e institucional. A complexidade dessa combinação há muito não
tem trabalhado a favor do crédito, ou
seja, dos investimentos, do consumo,
da produção, do emprego e da renda.
A inadimplência é o único item
operacional do "spread" de caráter
exclusivamente privado, que pode ser
rapidamente melhorado, para contribuir com a queda nas taxas de juros.
O cadastro positivo, em trâmite na
Câmara dos Deputados, dá a oportunidade de reverter o quadro de crédito caro. Com ele, o sistema financeiro
e todos os outros concedentes de crédito passam a ter acesso às informações comportamentais dos clientes.
Com o cadastro positivo, quem financia tem suas decisões agilizadas,
sua base de clientes ampliada, acréscimo da lucratividade e melhor competitividade. Para o consumidor, o cadastro positivo encoraja a manter
maior responsabilidade financeira na
construção de um bom histórico de
crédito, estimulando e valorizando os
bons pagadores.
O cadastro positivo promove o
crescimento do crédito sem motivar o
superendividamento, já que as transações são mais transparentes e o
comportamento financeiro do tomador se torna mais conhecido.
Para o governo, aumenta a estabilidade do setor financeiro e cria condições para um crescimento mais rápido do mercado de crédito.
A grande diferença entre o cadastro
positivo e o negativo é que o primeiro
mostra as reais condições que o demandante de crédito tem para honrar
suas dívidas. Hoje, no Brasil, socializa-se a inadimplência, cobrando aritmeticamente de toda a sociedade o
risco de crédito dos maus pagadores,
em vez de utilizar ferramentas para o
dimensionamento do risco individual. Tendo o risco individual menor,
o risco coletivo também deve cair.
Os mercados sem cadastro positivo
são caracterizados pela assimetria de
informações, prejudicando a avaliação do risco de crédito. Na situação
que se encontram, o processo é mais
oneroso para ambas as partes: concedentes e tomadores de crédito.
De acordo com os especialistas em
sistemas de informações para crédito
John Barron, professor da Purdue
University, e Michael Staten, professor da Georgetown University, ambas
nos EUA, com informações positivas
e compartilhadas há um acréscimo de
90% no número de pessoas que solicitam crédito e são atendidas, e a taxa
de inadimplência cai praticamente
pela metade. Segundo Marco Pagano,
da Universidade de Nápoles Federico
2º, em países que têm informação positiva compartilhada, o risco de crédito cai entre um terço e metade.
Para ilustrar, Hong Kong tem uma
das economias mais dinâmicas do
mundo. O cadastro positivo foi implantado em 2003 e, dois anos depois,
registrou aumento de 6% nas pessoas
que obtiveram crédito e de 3% nos
novos ofertantes de crédito fora do
sistema bancário. Houve um aperfeiçoamento no crédito no médio prazo.
Hoje, o Brasil e a China estão no
grupo das 12 maiores economias do
mundo que não possuem cadastro
positivo. A brasileira se apoia na condição de decisão de crédito exclusivamente pela análise das informações
negativas, enquanto a China ainda
viabiliza seu sistema cadastral e de informações para negócios.
É importante destacar que a atual
crise global de crédito tem origem no
cenário de grande liquidez, com relaxamento nas políticas de concessão
de recursos e, portanto, na subestimação do risco em troca de um retorno financeiro maior que os juros reduzidos praticados nos países desenvolvidos -é o exemplo das hipotecas
"subprime" nos EUA. Não houve problema na estrutura das ferramentas
de crédito, houve, sim, uma estratégia
errada que comprometeu a qualidade
do crédito nos principais centros financeiros mundiais.
Para o Brasil, a crise internacional
pode ser uma oportunidade para corrigir desvios estruturais, inclusive nas
metodologias de crédito. Para deixar
de ter o maior "spread" do mundo, é
preciso que tenha melhor qualidade
no crédito, lembrando que a inadimplência representa um custo social e,
como tal, precisa ser reduzido.
FRANCISCO VALIM , 46, administrador de empresas, é
presidente da Experian América Latina e da Serasa Experian.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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