São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É preciso flexibilizar a meta de inflação?

NÃO

Meta é compatível com crescimento

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO e ROBERTO PADOVANI

O comportamento dos índices de preço neste início de ano aumentou a preocupação com relação aos custos que o cumprimento da meta de inflação irá impor ao crescimento econômico. De fato, a combinação de alta dos preços internacionais das commodities exportadas pelo país e taxas relativamente elevadas de crescimento aumenta a probabilidade de não cumprimento da meta de inflação do ano. Isso poderia justificar uma postura mais cautelosa do Banco Central em relação à política monetária, de modo a reduzir a taxa de crescimento do produto a níveis compatíveis com o cumprimento da meta de 5,5%, estipulada pelo Ministério da Fazenda para 2004.
Apesar dessas preocupações, não há motivo para, já no primeiro trimestre do ano, mudar a meta de inflação de 2004. Dois argumentos centrais justificam tal afirmação. O primeiro refere-se à capacidade efetiva de alcançar a meta tanto pelo canal do câmbio, quanto pelo do crescimento econômico. O segundo diz respeito aos custos que uma mudança de regras neste momento poderia causar em termos de coordenação das expectativas.
Pelo lado do câmbio, as expectativas são favoráveis, compensando em parte o impacto da alta nas commodities sobre preços domésticos. Tanto as projeções de superávit comercial, próximas a US$ 26 bilhões em 2004, quanto as expectativas de fluxos de capital indicam que o mercado de câmbio não deverá apresentar pressões significativas ao longo dos próximos meses. Na verdade, dadas as informações disponíveis até o momento sobre o comportamento da economia mundial, somente uma forte intervenção do BC com o objetivo de recompor agressivamente as reservas internacionais evitaria uma apreciação do real frente o dólar ao longo de 2004.
Diante do superávit comercial projetado para este ano e a liquidez do mercado financeiro internacional, será possível recompor gradualmente as reservas cambiais, sem interromper uma trajetória já observada de apreciação da taxa de câmbio cujo efeito seria uma redução da pressão inflacionária. Essa estratégia seria perfeitamente justificável diante do fato de que uma parte importante da aceleração inflacionária do início do ano se deve ao aumento dos preços internacionais de commodities exportadas pelo país.
Além disso, uma política de intervenção do BC no sentido de acumular reservas em um ritmo mais forte não é razoável do ponto de vista da dinâmica da dívida pública brasileira. Como a relação dívida/PIB cresceu sistematicamente nos últimos dez anos, tendo atingido níveis considerados de pré-insolvência pelo mercado financeiro internacional, a estratégia mais racional para melhorar o prêmio de risco está na sinalização de uma dinâmica favorável para essa relação. Com isso, a decisão de recompor reservas tende a causar menor impacto na formação de expectativas dos investidores, o que a torna qualitativamente inferior à combinação de câmbio mais apreciado e juros mais baixos.
O alcance da meta também é factível considerando-se o comportamento do crescimento econômico. Os setores que operam a plena capacidade têm espaço para acomodar eventuais pressões pelo canal das importações. Aqueles que contam com elevada ociosidade não representam preocupação para o cenário de inflação.
O segundo argumento para não mudar a meta de inflação de 2004 está associado ao mecanismo de coordenação de expectativas. Eventuais mudanças da meta agora poderiam trazer mais custos que benefícios. A mudança seria o reconhecimento precipitado de que as expectativas de inflação não poderão convergir para a meta de 2004.
Apesar de todas as dúvidas de curto prazo acerca do comportamento da inflação, as projeções médias para o IPCA no final do ano continuam paradas no patamar de 6%, indicando confiança no papel do Banco Central de controlar o cenário de inflação. Além disso, uma eventual mudança de meta poderia convencer os agentes econômicos a rever as projeções de inflação para valores acima da nova meta fixada. Uma mudança de regras pode gerar a crença de que novas alterações poderão vir no futuro, contaminando expectativas de inflação que hoje são bem comportadas. Esse problema é particularmente grave no atual governo, que ainda conta com relativo déficit de credibilidade com relação ao respeito às regras.
Finalmente, não há uma alternativa razoável no curto prazo. O modelo de "metas ajustadas" já testado no passado é a recomendação técnica consensual, mas é de tal ordem confuso e pouco transparente que a atual diretoria optou por abandoná-lo. Desse modo, está nas mãos do BC a decisão de cumprir ou não a meta. Seria importante que ele mantivesse as regras do jogo num momento do ano em que ainda há condições de alcançar a meta com baixo custo em termos de crescimento e emprego.
Se, diante de um choque externo negativo, a população paga a conta com mais recessão e desemprego, é mais que razoável que ela se aproprie de pelo menos parte dos ganhos de um choque positivo como o que estamos vivendo atualmente, através de menos inflação e mais crescimento.


José Márcio Camargo, 56, doutor em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), é professor de economia da PUC-RJ e sócio da Tendências Consultoria Integrada. Roberto Padovani, 37, mestre em economia pela FGV-SP, é sócio da Tendências Consultoria Integrada.


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