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TENDÊNCIAS/DEBATES
É preciso flexibilizar a meta de inflação?
NÃO
Meta é compatível com crescimento
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO e ROBERTO PADOVANI
O comportamento dos índices
de preço neste início de ano aumentou a preocupação com relação aos
custos que o cumprimento da meta de
inflação irá impor ao crescimento econômico. De fato, a combinação de alta
dos preços internacionais das commodities exportadas pelo país e taxas relativamente elevadas de crescimento aumenta a probabilidade de não cumprimento da meta de inflação do ano. Isso
poderia justificar uma postura mais
cautelosa do Banco Central em relação à
política monetária, de modo a reduzir a
taxa de crescimento do produto a níveis
compatíveis com o cumprimento da
meta de 5,5%, estipulada pelo Ministério da Fazenda para 2004.
Apesar dessas preocupações, não há
motivo para, já no primeiro trimestre
do ano, mudar a meta de inflação de
2004. Dois argumentos centrais justificam tal afirmação. O primeiro refere-se
à capacidade efetiva de alcançar a meta
tanto pelo canal do câmbio, quanto pelo
do crescimento econômico. O segundo
diz respeito aos custos que uma mudança de regras neste momento poderia
causar em termos de coordenação das
expectativas.
Pelo lado do câmbio, as expectativas
são favoráveis, compensando em parte
o impacto da alta nas commodities sobre preços domésticos. Tanto as projeções de superávit comercial, próximas a
US$ 26 bilhões em 2004, quanto as expectativas de fluxos de capital indicam
que o mercado de câmbio não deverá
apresentar pressões significativas ao
longo dos próximos meses. Na verdade,
dadas as informações disponíveis até o
momento sobre o comportamento da
economia mundial, somente uma forte
intervenção do BC com o objetivo de recompor agressivamente as reservas internacionais evitaria uma apreciação do
real frente o dólar ao longo de 2004.
Diante do superávit comercial projetado para este ano e a liquidez do mercado financeiro internacional, será possível recompor gradualmente as reservas cambiais, sem interromper uma trajetória já observada de apreciação da taxa de câmbio cujo efeito seria uma redução da pressão inflacionária. Essa estratégia seria perfeitamente justificável
diante do fato de que uma parte importante da aceleração inflacionária do início do ano se deve ao aumento dos preços internacionais de commodities exportadas pelo país.
Além disso, uma política de intervenção do BC no sentido de acumular reservas em um ritmo mais forte não é razoável do ponto de vista da dinâmica da
dívida pública brasileira. Como a relação dívida/PIB cresceu sistematicamente nos últimos dez anos, tendo atingido
níveis considerados de pré-insolvência
pelo mercado financeiro internacional,
a estratégia mais racional para melhorar
o prêmio de risco está na sinalização de
uma dinâmica favorável para essa relação. Com isso, a decisão de recompor
reservas tende a causar menor impacto
na formação de expectativas dos investidores, o que a torna qualitativamente
inferior à combinação de câmbio mais
apreciado e juros mais baixos.
O alcance da meta também é factível
considerando-se o comportamento do
crescimento econômico. Os setores que
operam a plena capacidade têm espaço
para acomodar eventuais pressões pelo
canal das importações. Aqueles que
contam com elevada ociosidade não representam preocupação para o cenário
de inflação.
O segundo argumento para não mudar a meta de inflação de 2004 está associado ao mecanismo de coordenação de
expectativas. Eventuais mudanças da
meta agora poderiam trazer mais custos
que benefícios. A mudança seria o reconhecimento precipitado de que as expectativas de inflação não poderão convergir para a meta de 2004.
Apesar de todas as dúvidas de curto
prazo acerca do comportamento da inflação, as projeções médias para o IPCA
no final do ano continuam paradas no
patamar de 6%, indicando confiança no
papel do Banco Central de controlar o
cenário de inflação. Além disso, uma
eventual mudança de meta poderia
convencer os agentes econômicos a rever as projeções de inflação para valores
acima da nova meta fixada. Uma mudança de regras pode gerar a crença de
que novas alterações poderão vir no futuro, contaminando expectativas de inflação que hoje são bem comportadas.
Esse problema é particularmente grave
no atual governo, que ainda conta com
relativo déficit de credibilidade com relação ao respeito às regras.
Finalmente, não há uma alternativa
razoável no curto prazo. O modelo de
"metas ajustadas" já testado no passado
é a recomendação técnica consensual,
mas é de tal ordem confuso e pouco
transparente que a atual diretoria optou
por abandoná-lo. Desse modo, está nas
mãos do BC a decisão de cumprir ou
não a meta. Seria importante que ele
mantivesse as regras do jogo num momento do ano em que ainda há condições de alcançar a meta com baixo custo
em termos de crescimento e emprego.
Se, diante de um choque externo negativo, a população paga a conta com
mais recessão e desemprego, é mais que
razoável que ela se aproprie de pelo menos parte dos ganhos de um choque positivo como o que estamos vivendo
atualmente, através de menos inflação e
mais crescimento.
José Márcio Camargo, 56, doutor em economia
pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(EUA), é professor de economia da PUC-RJ e sócio da Tendências Consultoria Integrada. Roberto Padovani, 37, mestre em economia pela FGV-SP, é sócio da Tendências Consultoria Integrada.
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