São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Precisamos promover os direitos humanos

RAYMUNDO MAGLIANO FILHO

As companhias têm papel fundamental na promoção dos direitos humanos, tema ainda visto com preconceito por setores da sociedade

A LEITURA DOS jornais é suficiente para se constatar como o Brasil carece de transparência e igualdade social - condições fundamentais para o exercício da democracia. Voltar a esse tema é imperativo, sobretudo neste 2008, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos. Infelizmente, no Brasil e em muitos outros países, o tema ainda é visto de modo errôneo e preconceituoso por vários setores da sociedade.
O aniversário da declaração, em dezembro próximo, é uma excelente oportunidade para esclarecer a população sobre o assunto por meio de amplo debate. Nessa tarefa, o papel da imprensa tem sido vital. Em anos recentes, graças à cobertura da mídia sobre as violações à vida e à dignidade dos brasileiros, muitos direitos, antes teóricos, tornaram-se mais conhecidos das pessoas, habilitando-as a exercê-los de modo mais consistente.
Kant acreditava que o esclarecimento é a condição primeira para o homem superar a menoridade. Queria dizer com isso que as pessoas, com base na informação e no conhecimento, capacitam-se para alcançar a cidadania plena. Essa concepção coincide com a defesa dos direitos humanos ao mostrar que seu exercício só é possível numa sociedade cujos valores democráticos contemplem a transparência, a visibilidade e o acesso dos indivíduos aos bens públicos. Apenas nessas condições, a declaração -originalmente, um projeto de paz internacional- transforma-se em garantia real de proteção dos direitos.
É justamente o abismo entre os direitos proclamados nesse documento e a desigualdade social em muitas regiões do mundo que tem levado a alta comissária dos Direitos Humanos da ONU, Louise Arbour, a propor uma ampla agenda de divulgação e defesa dos direitos humanos para este ano, culminando com o aniversário da declaração, em dezembro.
Arbour anunciou a idéia quando visitou o Brasil pela primeira vez, há três meses. Outros organismos ligados à ONU, como o Pacto Global, que compromete o mundo corporativo na defesa da inclusão social e econômica, já estão envolvidos nesta proposta.
Dois dos princípios do pacto foram extraídos justamente da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
As companhias podem dar uma forte contribuição à campanha de Arbour. A adoção das políticas de responsabilidade social empresarial é uma prova de que as empresas estão habilitadas a promover os chamados direitos sociais, que, tanto quanto os direitos essenciais, também estão consagrados na declaração universal.
Mais que isso, ainda, são agentes fundamentais da inclusão econômica de vastas parcelas da população, seja por conta de sua própria atividade -geradora de riqueza-, seja em razão de programas de educação financeira, que já são oferecidos por muitas empresas no Brasil, individualmente ou em parceria com universidades.
Arbour teve a oportunidade de conhecer iniciativas de empresas brasileiras na área de direitos humanos. Ela esteve na sede da Bovespa para tratar do tema e admitiu singelamente seu próprio "preconceito". Diante de platéia de mais de 120 pessoas, a alta comissária contou que nunca podia imaginar que, em sua visita ao Brasil, dialogaria sobre os direitos humanos na sede de uma bolsa de valores. Arbour ouviu algumas propostas das empresas, entre elas a criação de um movimento, juntamente com outras instituições financeiras, ONGs e universidades, para promover neste ano uma série de iniciativas educacionais sobre direitos humanos.
Eis um projeto que vai ao encontro da filosofia de Norberto Bobbio, para quem o bem comum é maior do que a soma dos bens individuais. Esse bem comum e universal é justamente o que caracteriza a força da declaração de 1948. Com ela, escreveu Bobbio, a ONU pôde "substituir a paz baseada no puro e simples equilíbrio das forças individuais por outra, fundamentada na superioridade e autoridade de uma força coletiva, que constitua a expressão de um poder comum". Mas esse avanço não fará sentido se não envolver toda a população.
A inclusão social é imprescindível em qualquer movimento que vise a adequação de nossos valores em prol de uma realidade mais justa do país.
Se a cultura sobre a importância dos direitos humanos não for disseminada, não haverá a evolução de que precisamos. Como dizia Hannah Arendt, o poder é um agir em conjunto. Está aí a única via de acesso à cidadania e à dignidade dos homens e mulheres.


RAYMUNDO MAGLIANO FILHO, 65, administrador de empresas, é presidente do Conselho de Administração da Bovespa Holding.

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