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TENDÊNCIAS/DEBATES
Precisamos promover os direitos humanos
RAYMUNDO MAGLIANO FILHO
As companhias têm papel fundamental na promoção dos direitos humanos, tema ainda visto com preconceito por setores da sociedade
A LEITURA DOS jornais é suficiente para se constatar como
o Brasil carece de transparência e igualdade social - condições
fundamentais para o exercício da democracia. Voltar a esse tema é imperativo, sobretudo neste 2008, quando
a Declaração Universal dos Direitos
Humanos completa 60 anos. Infelizmente, no Brasil e em muitos outros
países, o tema ainda é visto de modo
errôneo e preconceituoso por vários
setores da sociedade.
O aniversário da declaração, em dezembro próximo, é uma excelente
oportunidade para esclarecer a população sobre o assunto por meio de amplo debate. Nessa tarefa, o papel da
imprensa tem sido vital. Em anos recentes, graças à cobertura da mídia
sobre as violações à vida e à dignidade
dos brasileiros, muitos direitos, antes
teóricos, tornaram-se mais conhecidos das pessoas, habilitando-as a
exercê-los de modo mais consistente.
Kant acreditava que o esclarecimento é a condição primeira para o
homem superar a menoridade. Queria dizer com isso que as pessoas, com
base na informação e no conhecimento, capacitam-se para alcançar a cidadania plena. Essa concepção coincide
com a defesa dos direitos humanos ao
mostrar que seu exercício só é possível numa sociedade cujos valores democráticos contemplem a transparência, a visibilidade e o acesso dos indivíduos aos bens públicos. Apenas
nessas condições, a declaração -originalmente, um projeto de paz internacional- transforma-se em garantia real de proteção dos direitos.
É justamente o abismo entre os direitos proclamados nesse documento
e a desigualdade social em muitas regiões do mundo que tem levado a alta
comissária dos Direitos Humanos da
ONU, Louise Arbour, a propor uma
ampla agenda de divulgação e defesa
dos direitos humanos para este ano,
culminando com o aniversário da declaração, em dezembro.
Arbour anunciou a idéia quando visitou o Brasil pela primeira vez, há
três meses. Outros organismos ligados à ONU, como o Pacto Global, que
compromete o mundo corporativo na
defesa da inclusão social e econômica,
já estão envolvidos nesta proposta.
Dois dos princípios do pacto foram
extraídos justamente da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
As companhias podem dar uma forte contribuição à campanha de Arbour. A adoção das políticas de responsabilidade social empresarial é
uma prova de que as empresas estão
habilitadas a promover os chamados
direitos sociais, que, tanto quanto os
direitos essenciais, também estão
consagrados na declaração universal.
Mais que isso, ainda, são agentes fundamentais da inclusão econômica de
vastas parcelas da população, seja por
conta de sua própria atividade -geradora de riqueza-, seja em razão de
programas de educação financeira,
que já são oferecidos por muitas empresas no Brasil, individualmente ou
em parceria com universidades.
Arbour teve a oportunidade de conhecer iniciativas de empresas brasileiras na área de direitos humanos.
Ela esteve na sede da Bovespa para
tratar do tema e admitiu singelamente seu próprio "preconceito". Diante
de platéia de mais de 120 pessoas, a alta comissária contou que nunca podia
imaginar que, em sua visita ao Brasil,
dialogaria sobre os direitos humanos
na sede de uma bolsa de valores. Arbour ouviu algumas propostas das
empresas, entre elas a criação de um
movimento, juntamente com outras
instituições financeiras, ONGs e universidades, para promover neste ano
uma série de iniciativas educacionais
sobre direitos humanos.
Eis um projeto que vai ao encontro
da filosofia de Norberto Bobbio, para
quem o bem comum é maior do que a
soma dos bens individuais. Esse bem
comum e universal é justamente o
que caracteriza a força da declaração
de 1948. Com ela, escreveu Bobbio, a
ONU pôde "substituir a paz baseada
no puro e simples equilíbrio das forças individuais por outra, fundamentada na superioridade e autoridade de
uma força coletiva, que constitua a
expressão de um poder comum". Mas
esse avanço não fará sentido se não
envolver toda a população.
A inclusão social é imprescindível
em qualquer movimento que vise a
adequação de nossos valores em prol
de uma realidade mais justa do país.
Se a cultura sobre a importância dos
direitos humanos não for disseminada, não haverá a evolução de que precisamos. Como dizia Hannah Arendt,
o poder é um agir em conjunto. Está aí
a única via de acesso à cidadania e à
dignidade dos homens e mulheres.
RAYMUNDO MAGLIANO FILHO, 65, administrador de
empresas, é presidente do Conselho de Administração da
Bovespa Holding.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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