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Racistas, não; apaixonados pelo Brasil
JOSÉ VICENTE
Hoje, entregamos a primeira centena de jovens negros formados em administração pela Unipalmares; depois disso, o país estará mudado
NÃO SOMOS RACISTAS! Essa foi
a expressão que mais tive de
repetir nos últimos cinco
anos, para justificar e defender junto
a pessoas e instituições, a oportunidade e a necessidade da criação e da consolidação de uma instituição de ensino com o caráter e os fundamentos da
Universidade da Cidadania Zumbi
dos Palmares -fundeada no acesso
universal, na excelência do ensino, na
promoção da inclusão ao mercado de
trabalho, na cultura da tolerância, do
diálogo interracial, na valorização da
diversidade racial, no resgate da auto-estima e na elevação do protagonismo
dos jovens negros.
Entendíamos que fazer essa universidade era o pouco que nos restava
como forma de sinalizar um novo
tempo, um novo caminho, uma nova
esperança e uma nova possibilidade
frente ao notório e terrível quadro de
exclusão que inexoravelmente vitima
o negro na sociedade brasileira.
"Não existem raças. Discriminação,
se houver, é a discriminação social
-reflexo do cruel patrimonialismo,
do classismo e do autoritarismo estruturantes do caráter nacional-,
que atinge todos os pobres invariavelmente. Infelizmente -e curiosamente-, os negros são a sua maioria e, logo, vítimas preferenciais da exclusão.
Esse é o motor da discriminação e o
responsável por sua não-presença e
não-participação na vida social, política, econômica e cultural, na esfera
governamental, no ensino superior e
no ambiente corporativo. Terminada
a pobreza, estará terminada a discriminação. Fora disso, estaremos diante de terrível segregação racial, da difusão do ódio racial, do racismo às
avessas, do desejo inconfesso e irresponsável de incendiar o país, transformando-o de multirracial em uma
nação de brancos e negros."
Contra esses e todos os demais fatalismos e determinismos respondi à
exaustão: não somos racistas. Somos
brasileiros negros de todas as cores.
Republicanos, amantes da justiça e da
democracia, comprometidos com a
dignidade da pessoa humana. Somos
brasileiros negros de todas as classes,
intransigentes na defesa da igualdade
de oportunidades, da participação democrática e plural de todos na vida
nacional. Somos cidadãos que acreditam no aperfeiçoamento das pessoas
e instituições, na capacidade de criação, realização e superação de todo
ser humano. Somos brasileiros e acreditamos que o melhor país é aquele
que seja um bom país para todos. Por
isso, preferimos trabalhar, criar e ousar novos caminhos do que permanecer presos pelo pântano. Somos brasileiros que preferem buscar a luz do
que subordinar-se à escuridão.
Discriminação racial ou discriminação social, o fato é que o país encontra-se cindido, e o negro continua no
porão: separado e desigual. Esse é
nosso dilema. Continuar de costas para metade de nossa gente jamais permitirá que alcancemos o status de nação. Buscar um novo caminho é imperativo. É nossa obrigação. É manifestação de paixão, de amor pelo Brasil.
No dia de hoje, entregamos ao nosso país a primeira centena de jovens
negros formados no curso de administração da Unipalmares. Cento e
vinte e seis formandos que foram
qualificados no uso da língua inglesa e
preparados para o mercado de trabalho em programas especiais de trainees do setor bancário. Todos estão
empregados -30% deles, efetivados
nesses parceiros.
Nunca antes, nos seus 508 anos de
existência, o Brasil conheceu um
acontecimento dessa magnitude. Em
nenhuma outra instituição de ensino
superior da América Latina encontramos 90% de alunos que se declaram
negros ou 40% de professores -doutores, mestres e especialistas- negros no corpo docente. Tudo sem governo, partido, igreja, sindicato ou organismos internacionais. Sociedade
civil pura, unindo esforços, superando obstáculos e mudando a história.
Nesta noite, quando o senhor presidente da República, Luiz Inácio Lula
da Silva, patrono dos formandos, entregar o "canudo de papel" a cada um
dos 126 bravos formandos, nosso país
estará para sempre mudado. Teremos
andado 120 anos em 5 e superado a armadilha do imobilismo. Teremos recuperado em cada negro brasileiro a
centelha da esperança, a possibilidade da justiça e a certeza de que podemos construir um novo destino.
Ao
Criador que nos conduziu e permitiu
essa graça e a todas as pessoas e instituições que ajudaram nossa esperança a vencer mais este desafio obrigado, muito, muito obrigado.
JOSÉ VICENTE, advogado, sociólogo, mestre em administração e doutorando em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, é presidente da ONG Afrobras e reitor da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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